Eldridge Cleaver discute a revolução: uma entrevista do exílio

O Ministro da Informação do Partido Pantera Negra em exílio, Eldridge Cleaver, apareceu no último verão no Festival Pan-Africano em Argel. Essa entrevista foi feita na época por Steven Aust, um jornalista da Alemanha Ocidental. – Serviço de Notícias Liberação

 

PERGUNTA: Qual era a situação na América no momento da ruptura de Stokely Charmichael com o Partido Pantera Negra, e como ela contribuiu para a ruptura?

ELDRIDGE: Toda a maneira de abordar o problema que o governo está assumindo, o capitalismo negro, eles estão usando o chamado do Poder Negro para esconder isso. Isso forçou Stokely a continuar a articular o que ele começou de modo a deixar claro que ele não está envolvido com o capitalismo negro. Mas abandonando a cena e não defendendo a sua posição, a coisa toda foi cooptava pela gente que está no CENTRO, toda a organização entrou para o capitalismo negro. O velho líder do CENTRO, James Farmer, se tornou o homem mais importante para implementar isso na administração Nixon, o homem que veio depois de Farmer como líder do CENTRO, Floyd McKissik, ele conseguiu uma organização para ele mesmo, uma firma de negócios que ele chama de Floyd McKissik Inc., e muitas verbas são canalizadas através dela.

Encaramos isso como o surgimento de uma fase neocolonialista de nossa situação particular nos Estados Unidos, porque ela corresponde ao momento em que o poder colonial decide garantir um certo grau de independência à colônia e substituir o regime colonial com um regime de marionetes. E isso é o que eles estão fazendo nos Estados Unidos quando puxam alguns níveis da burguesia negra para a estrutura de poder e desenvolvem para eles um investimento de interesse no sistema capitalista. Então, essa posição realmente desafiadora, as pessoas que fingiam ser revolucionárias, estão aceitando verbas.

O governo vai dar dinheiro para qualquer um. Eles ofereceram dinheiro ao Partido Pantera Negra; eles ofereceram dinheiro para todo mundo, e eles não se preocupam com qual é a nossa linha, eles só querem que nós nos envolvamos com os seus programas e então começam a colocar limitações em você para se tornar dependente.

Muitas pessoas estão aceitando esse dinheiro e elas estão usando o chamado do Poder Negro para conciliar o capitalismo negro com o poder. E isso é uma das coisas muito ruins que aconteceu como resultado do que Stokely estava falando. Oferecemos a ele uma posição como Primeiro Ministro do Partido para dar para ele uma base que ele não tem mais como resultado dos seus problemas com o SNCC e a decomposição do próprio SNCC. Mas ele abandonou o campo. Agora ele está falando sobre as lutas na África. Ele quer liberar Gana; isso simplesmente não se sustenta.

A questão chave para mim é que ele fez um declaração que eu penso que é fundamental. Ele disse. Ele disse “vocês estão aí em cima agora, mas esperem. Eu voltarei aí pra cima”. Então, todo esse jeito de pensar é uma viagem de ego [ego trip], fazendo constantemente essas comparações invejosas. Estávamos falando com ele logo que viemos para cá, porque pensamos que ele iria perceber o erro que cometeu, pedir desculpas ao Partido, e o aceitaríamos de volta no Partido porque há muito tempo estávamos tensos com a maneira com que ele estava agindo. Ele disse que não sabia que o comitê McClellan estava envolvido nas investigações sobre o Partido na época em que ele entregou a sua renúncia e as acusações. Mas as acusações que ele fez contra o Partido pareciam um eco das acusações dessas marionetes que estavam se lamentando no comitê McClellan. Quando isso foi apontado ele disse que não sabia que o comitê McClellan estava envolvido nas investigações. E sob a perspectiva de ele não saber isso, ele disse que estava disposto a fazer uma declaração para esclarecer a situação e deixar claro que ele não tinha nada a ver com o ataque do comitê McClellan, então tudo se resumiu a isso, e ele estava procrastinando, e então, quando ele deu aquela última declaração, alguma coisa estalou em mim e eu não estava mais disposto a continuar com isso.

Era eu quem estava tentando salvar a situação e dar a ele uma chance de se desculpar com o Partido, e todas as outras pessoas estavam perfeitamente dispostas a deixa-lo ir e não cobrar nada. Então, quando ele tomou a posição que tomou, o chamamos e só dissemos a ele que não iríamos arranjar aquela outra coisa de que falamos e que iríamos aceitar a sua renúncia da maneira como ele escreveu e lidar com as coisas como ele colocava. E essa foi a última vez em que ouvimos falar dele.

PERGUNTA: Os problemas mais importantes na carta dele eram, primeiro, chamar o Partido de dogmático, e segundo, condenar a aliança com movimentos radicais brancos.

ELDRIDGE: Penso que esses dois estão profundamente relacionados, porque quando ele se refere a dogmatismo, ele está se referindo na verdade ao fato de que somos um partido marxista-leninista, e o internacionalismo proletário está implícito no marxismo-leninismo, a solidariedade com todos os povos que estão lutando e isso, é claro, inclui pessoas brancas. Então, uma vez que o objetivo principal dele é a não-aliança com brancos e virar as costas para os brancos e não ter absolutamente nenhuma política voltada para eles, apenas ignorá-los, ele foi com peso nesses dois pontos para manter a sua posição. E nós consideramos essa posição racista.

Reconhecemos que não podemos funcionar dessa maneira, especialmente nos dias de hoje, quando estão usando nacional e internacionalmente a negritude como uma maneira de criar divisões entre o povo, e a contraparte doméstica dessa abordagem internacional é o uso do capitalismo negro, da consciência negra. Chamamos isso de nacionalismo cultural nos Estados Unidos, e se tornou muito claro como eles financiam algumas organizações de nacionalistas culturais. Eles já se expuseram como ferramentas da estrutura de poder com as suas atividades. Então, é preciso uma outra definição para fazer distinções entre amigos e inimigos quando eles vêm em todas as cores. E pensamos que os únicos guias seguros para a ação são os princípios revolucionários do marxismo-leninismo, pensamos que eles são relevantes nesse ponto por essa razão e escolhemos trabalhar com base nisso e deixar o resto passar, porque o povo negro já ganhou a sua consciência, eles tem um sentido da sua identidade, que foi perdida nos Estados Unidos. No momento em que isso estava acontecendo, era bastante progressista, era uma coisa muito boa que estava acontecendo. Mas depois que as pessoas assimilaram isso e se lembraram de quem eram e tudo mais, manter essa posição e não ir adiante se torna reacionário.

Foi isso o que aconteceu a Stokely e a muitas outras pessoas, muitas outras pessoas ficam culturalmente presas nesse sentido, mas Stokely ficou preso politicamente nesse sentido. Existe uma falsa distinção que as pessoas fazem entre cultura e política, e então, depois de fazer essa falsa distinção, ele confunde cultura e política de novo. Então, é como um erro em cima de um erro, e não conseguimos aceitar isso.

PERGUNTA: Sendo um crítico do nacionalismo cultural, como você vê o papel desse festival de cultura africana?

ELDRIDGE: Bem, eu penso que ele reuniu todas as linhas ideológicas experimentadas e forçou certas coisas a serem colocadas abertamente, e ele realmente serve para mandar a mensagem para muitas pessoas de que essa negritude e o nacionalismo cultural são pedras no caminho das lutas de libertação popular, mais do que auxílios. Penso que muitas das conversas que tivemos aqui foram repetidas várias vezes, as pessoas que estão envolvidas nos processos de luta pela liberação nesse momento parecem perceber de maneira mais atenta os aspectos negativos disso tudo por contraposição com aqueles que já conseguiram a independência e tem regimes bastante reacionários no poder que estão usando isso. As pessoas que estão lutando estão abertas a toda ajuda que puderem ter, e elas não querem fechar nenhuma via por conta de algumas posições ideológicas simplistas.

Mas aqueles que já estão no poder e conseguiram a sua liberação com essa sustentação falsa, eles estão felizes em deixar isso continuar. Uma coisa muito interessante sobre a qual eu ouvi as pessoas falando é que depois da Segunda Guerra Mundial, todas as colônias estavam lutando pela sua libertação baseadas no nacionalismo e não na construção de um partido revolucionário forte. Historicamente, isso se mostrou um erro. Era a maneira fácil de tentar resolver as coisas, porque é mais fácil mobilizar as pessoas baseado no nacionalismo do que criar uma organização marxista-leninista forte. As contrarrevoluções que se colocaram no lugar e colocaram muitos desses regimes nacionalistas para fora do poder e se montaram sobre o povo com regimes opressões, mais uma vez demonstraram o ponto de que os únicos governos que conseguiram sobreviver a essa destruição foram os governos que conseguiram a sua liberação e criaram, ou já tinham criado antes, ou criaram durante a luta ou depois da luta, um forte partido marxista-leninista. E eu penso que isso é o resultado na experiência na China, em Cuba e nos países socialistas do leste europeu, incluindo a União Soviética. Que não importa o que você diga sobre algumas da políticas revisionistas galopantes na área, eu sempre escolherei esses regimes socialistas ao invés de regimes capitalistas. Existe uma coisa lá que consegue suportar as tentativas dos imperialistas e capitalistas de lutar contra a corrente. Eles descobriram que era fácil fazer isso em países que são mantidos em pé apenas por um nacionalismo estreito.

PERGUNTA: Você pensa que o papel do nacionalismo no movimento pela liberação não é mais importante?

ELDRIDGE: Eu penso que ele vai continuar a ter importância, e que existe uma maneira adequada de lidar com o nacionalismo. Eu não penso que exista necessariamente uma distinção, ou, deveria dizer, uma contradição, entre nacionalismo e internacionalismo proletário, porque se mostrou muitas vezes que se você não pode amar aqueles ao seu redor, o que é uma forma de nacionalismo, se vincular com aqueles que estão na sua própria entidade, então você não pode se vincular àqueles que estão longe de você, e do mesmo modo, se você consegue se vincular àqueles que estão longe de você e não consegue se vincular aos que estão perto de você, então ainda há problema. Eu estou me referindo a essa abordagem nacionalista grosseira ao problema que obscurece completamente as contradições de classe e os problemas de classe e unifica o povo por cima das linhas de classe e de acordo com a totalidade da nação, deixando problemas para depois. Porque com base nisso, a burguesia, que é sempre mais educada nesse momento, consegue se colocar nos aparelhos do governo, uma vez que pessoas com determinadas habilidades são necessárias, e quando ela vai para lá ela consegue o poder, e como as coisas estão organizadas com base no nacionalismo, não há nada ali para contra-atacar a usurpação do poder, a organização de golpes e a contramaré. Eu acho que as pessoas estão se afastando disso, especialmente as pessoas jovens, os estudantes jovens que estão nesses países, a maior parte deles está muito consciente e está se voltando para o marxismo-leninismo.

PERGUNTA: A questão principal na divisão do SDS (Estudantes por uma Sociedade Democrática) americano foi a relação com o movimento negro. O que você pensa da divisão, e qual você pensa que é a tarefa dos radicais brancos do país em relação a essa situação específica agora?

ELDRIDGE: Eu acho que as pessoas que estavam separando o SDS eram as pessoas que têm essa análise falha da situação, elas ainda estavam funcionando baseadas na análise do que chamamos de Velha Esquerda. Elas não estão reconhecendo as lutas étnicas que estão acontecendo agora nos Estados Unidos, que normalmente obscurecem a luta passada. As pessoas no SDS com quem trabalhamos se aproximaram da análise que fizemos e elas vêm a sua causa funcional, porque nos Estados Unidos você tem mexicanos americanos, porto-riquenhos, índios, esquimós, sino-americanos, americanos negros, americanos brancos e muitos outros grupos étnicos. Esses grupos étnicos foram divididos uns dos outros e eles estão em tal posição nos dias de hoje que não tem fundamento tentar cometer os erros que já foram cometidos no passado colocando todos eles em uma organização homogênea sem levar todas essas particularidades em consideração. Dizemos que isso é colocar a carroça na frente dos bois. O que temos que fazer é tomar o povo como ele está agora, colocá-los em um aparelho organizativo, e então criar outro aparelho organizativo em que eles possam ser inseridos uma vez que estão conscientes disso. Isso se faz por um processo de coalizão, e isso funciona e está funcionando agora, e se desenvolvendo, e fomos capazes de lidar com muito mais problemas do que tínhamos quando estávamos tentando integrar as pessoas pobres em um grupo e continuar gastando muitas das nossas energias com muitas lutas internas e coisas do tipo. Essas pessoas que estão no PL e que são muito dogmáticas, e que não quiseram reconhecer o que estava acontecendo em outras comunidades e queriam começar a impor a sua própria perspectiva ideológica ao povo, foram recusadas, eu acho que eles saírem do SDS uma recusa adequada para a situação que estavam tentando reproduzir.

PERGUNTA: Depois de passar tanto tempo no Terceiro Mundo, você mudou as suas posições sobre a política americana, você pode falar alguma coisa sobre as experiências que teve desde que saiu dos Estados Unidos?

ELDRIDGE: Eu só me tornei mais convicto da posição e da atitude do Partido Pantera Negra. Agora eu reconheço que algumas das coisas que estávamos fazendo e tentando fazer são ainda mais importantes do que pensávamos que eram, especialmente nas direções em que atuamos, tentando contornar os obstáculos que foram criados por Stokely Charmichael e o SNCC, mas que achávamos que eram historicamente necessários – com o Poder Negro. Tomamos um caminho diferente nos Estados Unidos, e fizemos isso por necessidade. Depois de entrar em contato com outras pessoas que são revolucionárias mas não são negras, você vê como é importante isso tudo é para poder trabalhar com elas. Eu fiquei chocado em um grau em que eu nunca tinha sonhado que eu poderia ter ficado pelos resultados visíveis do colonialismo e do imperialismo. Nós que somos oprimidos nos Estados Unidos, em comparação com o que vi no resto do mundo, parece como se fôssemos oprimidos através de um véu de seda, porque não há nada comparado com a pobreza que eu encontrei no resto no mundo, nada comparado a isso nem mesmo nas áreas mais oprimidas dos Estados Unidos.

Eu penso que governo dos Estados Unidos é o inimigo número um da humanidade e está muito envolvido na reprodução de todas essas coisas que eu vi, por meio de suas organizações internacionais como a OTAN, o SEATO (Organização do Tratado do Sudeste Asiático) e por meio das Nações Unidas. Eles conseguem perpetuar a estagnação do povo e corromper suas tentativas de industrializar seus países. Isso, eu acho, teve um grande impacto em mim, e muito do fervor revolucionário puro que eu encontrei entre as pessoas serviu para estimular mais dedicação em mim mesmo.

PERGUNTA: Você não pensa que é muito importante que as frentes de libertação no Terceiro Mundo trabalhem junto com o Partido Pantera Negra?

ELDRIDGE: Não apenas com o Partido Pantera Negra, mas com todas as forças revolucionárias nos Estados Unidos. Certamente, eu penso que foi demonstrado aqui nesse festival em Argel, que aconteceu sob os cuidados da OAU (Organização da Unidade Africana), mas também de todo o governo da Argélia, o fato de que eles tiveram a coragem de nos convidar, o fato de que eles tiveram a coragem de me convidar, considerando a situação que existia, eu acho que isso fez muito no sentido de fortalecer a solidariedade.

Teve um grande impacto nos Estados Unidos, tenho certeza, e eu acho que o que é importante nisso é que no passado houveram indivíduos, pessoas negras nos Estados Unidos, que vieram para cá para fazer certos contatos e fizeram algumas promessas que elas não puderam cumprir, e pela primeira vez uma grande organização nacional está fazendo contato com essas pessoas, e como as nossas relações não dependem de uma única pessoa para a sua continuidade, então isso terá que fortalecer esses laços e criar canais que podem continuar no futuro. Esses são alguns dos aspectos positivos que eu vejo nisso.

PERGUNTA: Existem planos concretos para a cooperação, como mandar delegações para outros países?

ELDRIDGE: Naturalmente, queremos cooperar e nos ajudar uns aos outros de qualquer maneira que possamos. Muito disso, claro, não pode ser discutido abertamente, podemos dizer que o povo expressou uma grande alegria com os desenvolvimentos nos Estados Unidos, com o fato de que vanguardas revolucionárias estão sendo criadas. Isso dá a elas mais esperanças, saber que mesmo na Babilônia podemos lutar pela revolução.  E as ajuda na sua luta, porque elas dizem que se aqueles caras podem fazer isso lá, então o que está errado conosco aqui? Todos nós sabemos que estamos lidando com o mesmo inimigo. Só saber que há alguém na mesma luta que você sempre fortalece a sua dedicação.

PERGUNTA: Você acha que os Estados Unidos mudaram desde que você partiu?

ELDRIDGE: Eu acho que a repressão aumentou claramente e que isso quer dizer que a efetividade do ataque do Partido contra estrutura de poder está se tornando intolerável para a própria estrutura de poder. Uma das coisas mais importantes que se desenvolveu desde que eu parti foi o Programa de Café da Manhã Para Crianças que o Partido adotou. Isso foi uma maneira de o Partido fortalecer seus laços com a comunidade e conseguir que milhares e milhares de pessoas pelo país se envolvessem no programa e se abrissem para o Partido. E essas pessoas ficaram muito bravas quando o governo começou a atacar o Programa de Café da Manhã Para Crianças. Houve muito mais aceitação do Partido.

É muito interessante que a maioria das coisas que estávamos defendendo, que estávamos propondo quando estávamos lá, ganharam mais urgência e mais aceitação desde que eu fui embora, porque as pessoas tinham que lidar com isso. É como se – falando sobre isso com os irmãos da delegação que veio para cá dos Estados Unidos, só para ouvi-los falar, houve um longo período em que o Partido Pantera Negra esteve atravessado de nacionalismo cultural, e estamos tentando sair desse saco. Os irmãos que estavam aqui agora são irmãos que estão no Partido praticamente desde o início, e eu tive a chance de vê-los se desenvolverem, vê-los resistir à direção que estávamos tentando tomar, em temos de relações com os revolucionários brancos, e houve uma mudança completa nisso.

Eu ouvi um irmão se referir ao povo da Escandinávia como nossos irmãos e irmãs escandinavos, e esse cara em particular, em um momento em que estávamos tentando mobilizar as pessoas da comunidade para ir para o tribunal e se juntar em um protesto no tribunal por Huey Newton quanto ele estava sendo julgado, ele se recusou a entrar no carro de som porque ele estava sendo dirigido por um cara branco.

Foi necessário que esse cara dirigisse o carro de som porque ele tinha a licença e a carteira e simplesmente tinha que ser desse jeito. Mas ele se recusou a entrar no carro de som, e agora ele é quem fez essa declaração a que eu me referi. Isso indica, para mim, que as coisas mudaram e que muitas coisas que estávamos tentando fazer enquanto eu estava lá foram aceitas. Essa é apenas uma delas, existem outras, mas essa é uma das mais difíceis.

Isso é muito desenvolvimento. O Partido está mais forte e maior. Eu penso que o grande florescimento e desenvolvimento do Partido ideologicamente é uma das coisas mais importantes que aconteceu. Sempre tentamos nos aplicar o marxismo-leninismo, mas sempre houve muita dificuldade em manter a disciplina no Partido. Não era funcional, não estava realmente claro como você poderia aplicar o centralismo democrático nessa situação, com as pessoas com quem tínhamos que lidar.

Uma coisa que é muito importante é que muitas pessoas não entendem porque muitas pessoas foram expulsas do Partido. Na época em que Huey Newton estava sendo processado, abandonamos muitos dos nossos programas por conta da necessidade de mobilizar tantas pessoas quanto possível. Nós praticamente fechamos a adesão, nós não fizemos nenhuma declaração pública e simplesmente começamos a colocar pessoas para dentro. Nós sabíamos quem eram os Panteras, mas para maximizar o número de pessoas que colocávamos para dentro, não discutíamos com as pessoas se elas colocavam uma jaqueta preta ou boinas pretas e diziam que eram panteras. Elas simplesmente chegaram e disseram que apoiavam Huey e que queriam se juntar à nossa organização. Não tínhamos tempo para conduzir aulas de educação política, que é uma parte muito importante em nosso processo de recrutamento, nessa situação. Depois que o julgamento de Huey Newton acabou e o veredito estava dado, era uma questão de voltar às nossas outras atividades em que estávamos envolvidos. No momento, muitas pessoas que entraram na organização na campanha para libertar Huey se mostraram muito indisciplinadas e não funcionais, e elas criaram muitos problemas para o Partido e elas não estavam dispostas a fazer aulas de educação política. Então simplesmente fomos duros com elas.

Eu não estava lá na época, mas eu estava sabendo disso, eu sabia o que estava acontecendo e porque estava acontecendo, e muitas dessas pessoas eram definidas como não sendo membros do Partido. E aqueles que queriam se tornar membros do Partido tinham a exigência de passar por aulas de educação política. Então, muitas dessas pessoas que foram expulsas foram readmitidas no Partido mas muitas delas foram expulsas por um motivo e permanecerão assim por um bom tempo antes de poderem ser readmitidas – se forem.

PERGUNTA: Qual é o seu plano para o futuro: que tipo de trabalho político você quer fazer?

ELDRIDGE: E acho que tem muito que eu posso fazer em termos de fazer contatos internacionais para o Partido, eu tenho um livro que eu quero terminar, mas, verdade, eu quero voltar para os Estados Unidos, é isso que eu quero fazer.

PERGUNTA: Agora que a Frente de Libertação Nacional praticamente venceu a guerra no Vietnã e entrou em uma nova fase de luta contra o imperialismo, isso muda alguma coisa?

ELDRIDGE: Eu acho que isso vai ser muito positivo, se você pensar você vai se lembrar de que toda a posição do imperialismo dos EUA na época era que as forças de libertação no Vietnã tinham que ser derrotadas, caso contrário as pessoas iriam começar que eles podem lutar por sua liberdade também. E eu penso que isso provou que uma luta persistente até o fim será vitoriosa. É isso que está acontecendo agora. Eu acho que os Estados Unidos vão forçar as pessoas a lutar com tanto vigor quanto lutaram no Vietnã; no geral, eu penso que isso vai fortalecer a determinação do povo para continuar lutando até a vitória.

PERGUNTA: Você pensa que a perseguição do Partido Pantera Negra nos Estados Unidos exige que vocês criem um novo tipo de tática para lidar com ela?

ELDRIDGE: Essas coisas que estamos fazendo foram pensadas, e muitas pessoas acham que não estamos falando sério quando falamos isso, mas o que eles fazem e tem feito é mandar alguns provocadores que vão induzir as pessoas em conversas sobre explodir pontes ou explodir supermercados. E com base em algumas palavras frívolas que passaram por aí, eles transformar tudo em uma conspiração em grande escala e prendem todas essas pessoas e colocam um resgate por elas e não uma fiança, para acabar com nossas finanças; eles sabem o que estão fazendo, e é essa a tática que usam nos Estados Unidos para deixar o Partido na defensiva.

Eu tomei a decisão de que eu não ia me submeter a esse tipo fraude e ir para a cadeia quando está muito claro que eles estão manipulando a situação. E eu penso que isso é uma coisa que todos nós vamos ter que enfrentar, porque não podemos pagar fianças de $200.000. Quando você pensa em 21 pessoas em Nova York, 16 pessoas em Chicago, isso custa o resgate de um rei, e nós não temos esse tipo de dinheiro, não temos nenhum procedimento para conseguir essa quantidade de dinheiro, então eu acho que as pessoas que estão dedicadas a agir de uma maneira revolucionária vão começar a adotar a atitude de que elas não serão presas. E elas tem que estar prontas a se defender em todos os momentos, de modo que quando os homens venham para cima deles e tentem prendê-los, esses caras vão começar a ter que lidar com isso bem no mesmo lugar, porque isso é mais desejável do que ficar em uma penitenciária apodrecendo.

PERGUNTA: E a Frente Unida Contra o Fascismo é uma parte dessa tática para criar solidariedade?

ELDRIDGE: É uma movimentação muito importante nesse sentido, mas há outra frente que eu acho que deve ser criada, e isso é uma coisa em que tenho trabalhado e em que eu pretenso continuar trabalhando, e é uma coisa que estamos chamando de Frente de Libertação Norte Americana. Eu penso que é o momento certo, porque muitas pessoas vêm a situação com que nos enfrentamos como uma situação em que a política foi transformada em guerra, e não tem fundamento continuarmos nos enganando; o que temos que fazer é lutar. Temos terreno lá para lutar. Muitas pessoas pensam que a luta armada feita nas montanhas de Cuba ou no Vietnã são uma coisa, e que isso não poderia acontecer nos Estados Unidos. Mas os Estados Unidos têm mais montanhas do que todas essas outras zonas, ele têm a vantagem de áreas montanhosas, e uma situação altamente organizada e tem zonas rurais. Eles são tão grandes que as forças do governo seriam forçadas a se distribuir de maneira muito escassa, ao mesmo tempo em que a insatisfação nas fileiras do Exército dos Estados Unidos está em no ponto mais alto. Os fortes e prisões militares estão abarrotados de gente que desertou e não quer lutar no Vietnã. E eu penso que as contradições que surgiram nas fileiras do Exército vão continuar a crescer, e mais ainda quando eles finalmente tiverem se voltado contra o povo americano.

 

The Black Panther, 11 de outubro de 1969

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
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Este e outros textos de tradução do Coletivo Autonomista! estão disponíveis em: https://autonomistablog.wordpress.com/

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