Huey P. Newton – À República da Nova Áfrika

Aqui fala Huey P. Newton, em Los Padres, California, 1969, 13 de setembro.

Saudações à República da Nova África[1] e ao Presidente Robert Williams. Estou muito contente de poder dar a vocês as boas-vindas. Devo acrescentar que este é o momento perfeito. E precisamos muito de vocês. E agora que a consciência do povo está em um nível tão alto, talvez possamos aproveitar a sua liderança e também estar prontos para nos movermos em um sentido revolucionário.

A algum tempo atrás, recebi uma mensagem da República da Nova África com uma série de perguntas a respeito da filosofa do Partido Pantera Negra, e perguntas muito detalhadas em certos pontos, e sobre os nossos pensamentos a respeito dessas posições. Naquele momento eu não estava preparado para enviar uma mensagem de resposta. Tive que pensar sobre muitas questões, e por conta da situação aqui é muito difícil para mim me comunicar, o que explica esse lapso de tempo entre as perguntas e a resposta. E não poderei expor minhas posições sobre todas as questões, mas eu gostaria de dar algumas explicações gerais sobre a posição do Partido Pantera Negra em relação à República da Nova África.

A posição do Partido Pantera Negra é de que o povo negro no país é definitivamente colonizado e sofre do roubo colonial mais do que qualquer grupo étnico no país. Talvez com exceção dos indígenas, mas certamente tanto quanto a população indígena. Nós também percebemos que o povo americano em geral é colonizado. E que são colonizados simplesmente porque estão em uma sociedade capitalista, com um pequeno grupelho de dominantes que são os proprietários dos meios de produção no controle da tomada de decisões, eles são o corpo que toma as decisões. Assim, isso toma a liberdade do povo americano em geral. E eles simplesmente trabalham para o enriquecimento dessa classe dominante. No que diz respeito aos negros, é claro, eles estão na parte de baixo dessa escada, somos explorados não apenas por esse pequeno grupo dominante, mas somos oprimidos e reprimidos até mesmo pelos brancos trabalhadores nesse país. E isso acontece simplesmente porque a classe dominante, a classe dominante branca usa a velha política romana de dividir para conquistar. Em outras palavras, a classe trabalhadora branca é usada como peão ou ferramenta da classe dominante, mas ela também é escravizada. Então, é com essa perspectiva histórica de dividir para conquistar que a classe dominante pode manter a maioria do povo em uma posição oprimida de maneira efetiva e com sucesso; porque estão divididos em certos grupos de interesses, ainda que esses interesses que os grupos das classes inferiores carreguem não sejam necessariamente benéficos para eles.

No que diz respeito à nossa posição quanto a separação, nós pedimos, como vocês sabem, um plebiscito supervisionado pela ONU para que os negros possam decidir se eles querem se separar da união ou qualquer outra posição que desejem. No que diz respeito ao Partido Pantera Negra, estamos submetidos à vontade da maioria do povo, mas pensamos que o povo deve ter essa escolha, e pensamos que a República da Nova África está perfeitamente justificada em exigir e declarar o direito de se separar da união. Então, não vemos contradição entre a posição do Partido Pantera negra e a posição da República da Nova África até onde eu sei, é apenas uma questão de momento. Pensamos que certas condições têm que existir antes mesmo que nos seja dado o direito de fazer essa escolha. Também levamos em consideração o fato de que se os negros nesse mesmo minuto puderem se separar da união e ter, digamos, cinco estados ou seis estados, seria impossível ter liberdade lado a lado de um país capitalista e imperialista. Todos sabemos que a mãe África não é livre simplesmente por causa do imperialismo, da dominação ocidental. E não há indicação de que seria diferente se tivéssemos um país separado, aqui na América do Norte. De fato, logicamente sofreríamos com o imperialismo e o colonialismo ainda mais do que o Terceiro Mundo está sofrendo agora. Eles estão geograficamente melhor localizados, milhares de milhas distantes, mas ainda assim eles não podem se libertar simplesmente por conta de altos desenvolvimentos tecnológicos, os maiores desenvolvimentos tecnológicos que o Ocidente tem e que fazem o mundo muito menor, uma pequena vizinhança.

Então, levando essas coisas em consideração, concluímos que a única maneira pela qual podemos ser livre é livrando a terra de uma vez por todas de toda a estrutura opressora da América. Sabemos que não podemos fazer isso sem luta popular, sem muitas alianças e coalizões, e essa é a razão pela qual estamos nos movendo no sentido em que estamos, de maneira que possamos conseguir tantas alianças quanto possamos com pessoas que estão igualmente insatisfeitas com o sistema. E também estamos indo adiante, tentando seguir com a campanha de educação política, para que o povo esteja ciente das condições e portanto talvez eles possam dar passos no sentido de controlar essas condições. Pensamos que essa é a coisa mais importante nesse momento; conseguir organizar de alguma maneira para que tenhamos uma força formidável para oferecer um desafio à estrutura do império americano. Então convidamos a República da Nova África a lutar conosco, porque sabemos, pelas pessoas com quem conversamos (conversei com May Mallory e outras pessoas familiares com a filosofia da República da Nova África), que elas parecem estar muito atentas para a necessidade de que toda a estrutura da América tem que ser transformada para que o povo americano seja livre. E esse é, mais uma vez, com todo o conhecimento e toda a perspectiva de que o objetivo final da República da Nova África é a separação. Em outras palavras, não estamos, na verdade, lidando com essa questão no momento porque pensamos que para nós ela é de certo modo prematura, e percebo a importância fisiológica de lutar por um território. Mas nesse momento o Partido Pantera Negra pensa que não queremos nos colocar em uma situação de enclave em que estaríamos mais isolados do que já estamos. Estamos isolados nas zonas de gueto, e pensamos que essa é uma ótima posição no que diz respeito à estratégia, no que diz respeito à grande batalha com a ordem estabelecida. E, mais uma vez, penso que seria perfeitamente justificado se os negros decidissem que querem se separar da união, mas penso que a questão deve ser colocada para as massas populares, para a maioria do povo.

Mais uma vez, penso que seria perfeitamente justificável se os negros decidissem que eles querem se separar da união, mas penso que a questão deveria ser deixada para as massas populares, para a maioria popular. Então, isso está resumido. Como disse antes, não tenho a possibilidade de ter longas discussões por aqui, e espero conversar com Milton Henry num futuro próximo (se for possível, sei que ele está bastante ocupado no momento) ou com representantes da República da Nova África, para que possamos conversar sobre essas questões. Existem muitas coisas que não conheço sobre a posição da República da Nova África, coisas que eu ouvi, que li, e concordo totalmente com elas. Gostaria que a República da Nova África soubesse que apoiamos Robert Williams em sua situação difícil neste momento, que o apoiamos cem por cento, e que queremos oferecer todos os auxílios que nos pedem; e gostaríamos de saber exatamente o que podemos fazer que poderia ser de maior ajuda nos procedimentos jurídicos que estão surgindo, que tipo de apoio moral poderíamos dar. Talvez possamos enviar alguns representantes, e publicaremos no nosso jornal, The Black Panther, artigos para informar o povo sobre a posição de Robert Williams sobre as atividades criminosas de que ele tem sido vítima nos últimos oito ou nove anos. Eu também gostaria de pedir à República da Nova África que nos desse algum apoio com Bobby Seale, nosso Presidente do Partido Pantera Negra. Bobby Seale está agora em uma prisão, como vocês sabem, em São Francisco, ele tem um processo acontecendo em Chicago, um em Connecticut, e convidamos a República da Nova África a dar o seu apoio. Gostaríamos muito disso e qualquer apoio moral que pudessem dar seriam bem-vindo. Deveríamos trabalhar mais próximos do que temos feito, e talvez isso possa ser um problema em que poderíamos trabalhar juntos, o problema dos presos políticos na América, e o povo como um todo é a favor da libertação dos presos políticos. Esse pode ser um ponto de convergência em que todas as organizações e partidos revolucionárias negros poderiam se reunir. Porque acredito sinceramente que algum bem pode sair de cada ataque que o opressor faz. Ele educa, esclarece muitas pessoas a respeito de sua violência. Então, talvez, esse possa ser um ponto de virada para ambas as nossas organizações e partidos. Por fim, o que eu gostaria de dizer é

 

TODO PODER AO POVO, E MAIS PODER AINDA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DA NOVA ÁFRICA, ROBERT WILLIAMS

 

The Black Panther, 6 de dezembro de 1969

[1] N.T.: A República da Nova África, fundada em 1968, é o projeto de uma nação negra autodeterminada no sul dos Estados Unidos da América, nos territórios da Louisiana, Mississipi, Alabama, Geórgia e Carolina do Sul, exigindo uma indenização do Estado norte-americano pela escravidão e pelo racismo institucional.

 

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
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Este e outros textos de tradução do Coletivo Autonomista! estão disponíveis em: https://autonomistablog.wordpress.com/

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