Raniero Panzieri – Democracia direta e controle operário

[Avanti!, Milão, 5 de agosto de 1958]

 

Alguns dias atrás, Paolo Spriano se ocupou, no Unitá[1], da questão – definida como “uma questão teórica atual” – da democracia direta, analisando alguns textos sobre este tema que foram publicados no Mondo Operaio e no Contemporaneo.

É certamente positivo – digamos logo – que essa questão, até hoje geralmente colocada de lado, seja colocada em primeiro plano na imprensa comunista; e no artigo de Spriano estão muitas coisas, em nossa opinião, também positivas, inclusive a referência a alguns aspectos, que em geral ficam na sombra, da declaração programática do VIII Congresso comunista.

No entanto, parece necessário fazer duas observações – uma de método e uma de conteúdo – que exprimem e dão a medida do nosso desacordo com o que Spriano escreve.

Em primeiro lugar (é a questão metodológica, primeiro o método e depois o conteúdo), Spriano erra ao discutir apenas os aspectos do debate que acontece no Mondo Operaio, escolhendo unilateralmente e esquecendo o ponto de partida e o fio lógico que conduz o desenvolvimento desse debate: se tivesse feito as coisas de outro modo, não apenas seu método teria sido melhor, mas certamente os argumentos óbvios que ele fez certamente teriam permanecido na caneta e certas questões não lhe teriam escapado.

A observação de conteúdo se refere ao salto lógico que vi no artigo em questão. Primeiro, Spriano, se referindo no Mondo Operaio, ao certeiro artigo de Colletti no Contemporaneo, ao VIII Congresso do PCI[2], faz duas afirmações de grande importância, escrevendo que a construção da democracia direta é parte integrante do socialismo e da luta pelo socialismo, e que essa não é reenviada para uma fase superior do desenvolvimento (o comunismo), mas é iniciada subitamente no curso da luta pelo poder socialista e no momento de seu exercício. Logo depois, ele faz desaparecer nas mangas, como em um jogo de prestidigitação, essas duas afirmações – que a nós nos parecem, pelo contrário, duas afirmações importantes – e reduz a luta pela democracia direta na sociedade italiana de hoje à atividade dos partidos e dos sindicatos, rejeitando o controle operário como uma posição intelectualista e livresca. Em suma, feita a declaração de princípio, tudo volta a ser como antes, salvo a sacrossanta afirmação de que a luta pelo socialismo não pode ser esgotada no parlamento, mas é conduzida nas cidades: afirmação sacrossanta, dizíamos, mas também obviamente porque discutíamos entre socialistas e comunistas, e não com socialdemocratas.

Dizemos logo que parece ser muito cômodo e impossível liquidar o problema com duas piadas afirmando que toda busca e toda luta pela democracia direta, que não se esgota nos partidos e nos sindicatos, é irreal, abstrata, e além disso intelectualista e livresca. Se nos limitássemos a discutir apenas aquilo que está completamente dado; se devêssemos nos ocupar do controle dos trabalhadores sobre a produção apenas quando esse controle fosse, pelo menos em parte, uma realidade ou uma reivindicação orgânica e avançada das massas, então evidentemente não seríamos nem socialistas nem comunistas, mas apenas conservadores (pelo menos no sentido estrito de que o companheiro Gomulka e os polacos dão a essa palavra). Intelectualista e livresca é a antecipação programática de fenômenos e perspectivas das quais não existe traço na realidade; não é intelectualista nem livresca a tentativa de conectar e explicar fenômenos cujas raízes já estão dadas; tentar elaborar, lhes dando um corpo lógico, reivindicações que estão objetivamente presentes na luta de massas, ainda que não sejam exprimidas na política atual do partido da classe.

Retornaremos a isto mais adiante. Nesse ponto, na verdade, é preciso nos determos na consideração da tese que reduz a democracia direta às atividades dos partidos e sindicatos. No nosso país – é verdade – partidos e sindicatos, em uma mistura na qual atuam fora do parlamento e dão força e solidez à luta de massas, são instrumentos de uma democracia  mais geral. Mas a questão, neste ponto, é quais são os objetivos da luta de massas. Os partidos podem promover a luta pelos objetivos políticos gerais e, no entanto, muitas vezes têm uma tendência – não ocasional, mas orgânica – a instrumentalizar a luta em torno da atividade parlamentar. Os sindicatos (os mesmos sobre os quais, aliás, pesa hoje o perigo da parlamentarização!) são portadores de instâncias reivindicativas, de defesa do nível de vida dos trabalhadores. Nem partidos, nem sindicatos se colocam, nem podem se colocar propriamente, primeiramente a questão de uma ação no interior das estruturas produtivas: eles só podem estimular essa ação, incluindo-a organicamente em sua própria política. O problema continua, apesar disso, insolúvel e falar unicamente de partidos e sindicatos é correr o risco de fazer um giro sobre eles mesmos, sem responder à questão: quais objetivos próprios, particulares, tem a luta de massas extraparlamentar? De que modo, com quais instrumentos, por quais vias se desenvolvem a atividade e a luta dos trabalhadores pela democracia direta?

A coisa parece ainda mais séria se se toma em consideração o fato de que a nossa luta é uma luta pelo poder (de outro modo, deveríamos nos perguntar, com uma velha batida: lutamos para fazer o que?). Se estamos de acordo – pelo menos, Spriano o afirma – sobre o fato de que a sociedade socialista não é um reino milagroso que é criado com um toque igualmente mágico de varinha, mas uma coisa que se conquista a partir de agora, que tem sua semente vital na luta pelo poder, é preciso fazer a pergunta sobre o que quer dizer uma luta que, na Itália, exclua o controle desde baixo, o controle dos trabalhadores sobre a produção. Depois que o poder da burguesia foi destruído, o partido se identifica, ou tende a se identificar com o Estado: os sindicatos ou se burocratizam ou permanecem instrumentos reivindicativos e de defesa dos trabalhadores (é essa a experiência concreta soviética, polaca, húngara, iugoslava, e não uma previsão nebulosa). Qual é a garantia democrática do poder socialista se faltar o controle operário? Ou será que se deve adiar esse controle – e apenas isso, sem que se saiba o motivo –, ainda como instância de luta, ao dia seguinte do salto revolucionário, tanto que falando hoje se pode fazer dele uma abstração livresca? Mas os elementos que são estranhos à nossa luta pelo socialismo tendem, devemos enfatizar, a estar ausentes também no poder socialista de amanhã. Negar isso seria, de fato, retornar a uma concepção mística do socialismo: essa concessão, expulsa pela porta, volta pela janela. Incluir ou não o controle operário na política do partido de classe significa querer ou não um Estado socialista baseado na autogestão dos trabalhadores. E queremos enfatizar que ninguém exige (e como poderia?) que o controle operário seja realizado imediatamente: o que conta é a luta por isso, que qualifica uma política de classe de maneira democrática e não reformista.

Também para anular argumentos parecidos, permanece a questão – certamente primária – da sociedade italiana, na qual lutamos. Nesta sociedade – e essa é a nossa tese, a nossa convicção – o controle operário é uma questão real, que se enraíza em uma realidade existente.

Pensemos, antes de tudo, na fábrica moderna. Nela, em virtude do desenvolvimento técnico, do processo de automação, de suas dimensões, o trabalhador é reduzido a uma pequena roda da engrenagem de uma grande máquina que é, na totalidade, desconhecida. Sobre essas bases se desenvolveram o prática e a ideologia do monopólio (relações humanas, organização científica do trabalho, etc.) que buscavam escravizar o corpo e a alma do próprio trabalhador, realizar plenamente a sua alienação. Como romper essa dinâmica negativa, como lutar em igualdade de condições contra a “democracia corporativa” de tipo patronal a não ser propondo novamente a reivindicação da participação dos trabalhadores no controle do processo produtivo em seu conjunto? E, de resto, a contratação a nível corporativo e as técnicas sindicais modernas não conduziram as coisas exatamente nessa direção, ainda que o sindicato em um certo ponto deva se deter, porque além desse limite isso entraria em contradição com as suas funções?

A reivindicação do controle é reforçada se de uma única fábrica moderna a perspectiva se expande para os vastos setores produtivos. Se os órgãos do poder político no Estado burguês sempre foram o “comitê de negócios” da classe capitalista, hoje assistimos, no entanto, a uma conjunção ainda maior do que no passado entre o Estado e os monopólios. Na verdade, os monopólios são levados a assumir cada vez mais o controle direto da sociedade e do Estado, enquanto as suas operações econômicas exigem cada vez mais a ajuda e a intervenção amigável do Estado. E, desde o momento em que o centro do poder político burguês se desloca cada vez mais dos edifícios institucionais para a realidade econômica, seria realmente um suicídio se o movimento operário se resignasse a ficar alheio a esta realidade, a disputar terreno com o poder burguês sobretudo no parlamento, longe da fonte efetiva desse poder.

Hoje, uma questão central do movimento de classes é a do desenvolvimento econômico. Tendo liquidado todas as posições que eram exclusivamente de protesto e de denúncia, e se transformando justamente no protagonista – de hoje e de amanhã – do desenvolvimento econômico, o movimento operário deve desfazer os nós do controle. Se, de fato, pode haver um fundamento para as preocupações daqueles que temem que as ações pelo controle degenerem em um corporativismo híbrido, do qual pagariam o preço os desempregados e as zonas em recessão, por outro lado é risível a ideia de que o movimento operário posso conduzir a luta pelo desenvolvimento econômico apenas através do parlamento (ainda que esta segunda ação seja útil de um ponto de vista geral). Quem tem um mínimo de prática dessas coisas sabe que os complexos produtivos modernos não são controlados simplesmente estando nos conselhos de administração: é necessária a participação nos órgãos de programação, de direção, de execução. Nenhum operário da FIAT poderia realmente levar a sério quem lhe dissesse que as contas no bolso de Valletta[3] foram feitas no parlamento de Roma. O perigo corporativo é combatido estendendo a luta pelo controle a todas as frentes produtivas e vinculando estreitamente as várias fases dessa luta entre elas e nos quadros mais gerais da luta de massas.

Há quem, diante desta perspectiva (Spriano, na verdade, não o diz explicitamente, mas se pode deduzir isso de seu raciocínio), observe que a luta pelo controle, por mais justa que seja, não é atual, porque é uma luta ofensiva, enquanto na fábrica a situação é, infelizmente, defensiva: trata-se de defender a liberdade sindical, a liberdade individual.

Realmente, não conseguimos entender como se pode aceitar uma distinção tão escolástica, tão esquemática, tão abstrata, entre a luta defensiva e a ofensiva, entre uma e outra fase da luta em geral. Nos lembramos daqueles que reprovavam a Lênin por querer a revolução socialista, quando só era “atual” a revolução burguesa. A verdade é que sem o controle – ou a luta pelo controle – não pode haver liberdade na fábrica moderna. Quem aceita, por exemplo, na FIAT ou na Montecatini, permanecer alheio ao processo produtivo, na realidade entrega nesse mesmo momento o dispositivo de comando nas mãos do patronato. Uma distinção desse tipo – entre defensiva e ofensiva – ainda era possível na antiga fábrica, mas não no complexo monopolístico, que é um mundo fechado e particular, tendendo a absorver subordinar tudo a suas leis de direção. O dissemos e repetimos: o próprio sindicato teve de deixar suas velhas posições para trás, as reivindicações salariais genéricas, e se colocar o problema da produção. Talvez a contratação corporativa não seja mais uma linha avançada, ofensiva, a respeito da velha linha reivindicativa. No entanto, a velha contratação corporativa vence, e a velha linha domina nos dias de hoje.

Enfim, devemos observar que a lição decisiva vem da classe operária. Por anos os operários nem sequer sentiram a necessidade de falar de controle ou, se sentiram a necessidade de falar disso em algum momento, foi só em termos negativos; mas basta ir às fábricas, onde acontecem as experiências dos conselhos de gestão, se sentem, em nove a cada dez vezes, que todos os operários se vinculam de modo extraordinário a esse patrimônio prático e ideológico; e ainda, quando se vai, por exemplo, a Monfalcone, e se estudam as lutas dos operários da CRDA[4], se vê que elas eram focadas – mesmo que não se tratasse de uma consciência precisa – nas reivindicações pelo controle; e também no mesmo sentido, até as lutas dos mineiros sicilianos de enxofre.

E, para concluir, quando se fala da França[5] (Spriano não fala), há coisa mais significativa do que a recusa dos operários – uma recusa objetiva, mas frequentemente explícita – em lutar para defender o parlamento? Haviam sindicatos e partidos, mas certamente os operários da Renault se referiam a outra cosia quando diziam de si mesmos “nós” e em relação à situação do próprio país, “eles”. De Spriano, enfim, gostaríamos de saber o que tem a ver o revisionismo com isso tudo: o revisionismo é forçado aqui para declarar a reivindicação de controle livresca. Isso é simplesmente um alvo confortável, uma fórmula mágica que se invoca ritualmente. A questão aqui não é a da recusa do leninismo, mas a da escolha entre uma concepção burocrática do socialismo e uma concepção democrática, genuinamente leninista. Trata-se, em suma, não de abraçar o reformismo revisionista (que, por sua conta, se afasta do controle como da peste) mas de estabelecer a partir de que posição ele vai ser combatido: da posição do dogmatismo burocrático ou da democracia socialista. A reivindicação do controle e, perspectivamente, da autogestão, tornam claro o significado da tese sobre a via democrática para o socialismo. Separada do controle operário e da autogestão, a expressão “via democrática” ou é uma adesão tardia ao reformismo ou é  simplesmente cobertura  de uma concessão dogmática do stalinismo.

[1] La democrazia diretta, “L’Unitá”, Milão, 11 de junho de 1958.

[2] Roma, 8-14 de dezembro de 1956. Primeiro congresso do PCI desde o XX Congresso do PCUS.

[3] Engenheiro Vittorio Valletta, atual presidente da FIAT.

[4] Cantieri Riuniti dell’Adriatico, da Finmeccanica. Por volta de outubro de ’57 e no momento em que esse artigo era escrito, aconteciam na CRDA lutas muito avançadas, pelo controle dos representantes operários sobre o trabalho por peça, pela transformação dos parcelários em pecistas, a reavaliação e a extensão da indenização por insalubridade, etc.

[5] Referência aos acontecimentos referidos na imprensa do poder pelo general de Gaulle e a passagem da IV à V República.

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de Scritti 1956-1960. Lampugnani Nigri, 1973.
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Histórias de Bruxas: Uma Entrevista com Silvia Federici

[Entrevista realizada por Verônica Gago, em abril de 2015]

Introdução

 

Em seu livro Caliban e a Bruxa: Mulheres, o Corpo e Acumulação Primitiva (Autonomedia, 2004), a feminista italiana Silvia Federici examina o extermínio das bruxas como um ato fundacional do sistema capitalista que domestica mulheres, impondo a elas a reprodução da força de trabalho como trabalho forçado sem remuneração. É no modo de desenvolvimento desse trabalho reprodutivo que Federici encontra um terreno central de luta para o movimento das mulheres.

Isso não é um conto de fadas, nem é simplesmente sobre bruxas. Bruxas se expandiram em outras mulheres e personagens próximas: a herege, a curandeira, a parteira, a esposa desobediente, a mulher que ousa viver sozinha, a mulher obeah (praticante de magia secreta) que envenenou a comida do mestre e inspirou os escravos a se rebelarem. O capitalismo, desde as origens, persiste e combate essas mulheres com fúria e terror.

Em Caliban e a Bruxa, Federici faz as perguntas fundamentais sobre essa figura emblemática da mulher: por que o capitalismo, desde o início, precisou guerrear contra essas mulheres? Por que a caça às bruxas um dos massacres mais brutais e menos registrados da história? O que é supostamente eliminado quando essas mulheres são condenadas à fogueira? Por que é possível esboçar um paralelo entre elas e os escravos negros das plantações na América?

Silvia Federici nasceu na Itália, mas vive nos Estados Unidos desde os anos 60. Foi nos EUA que sua militância feminista e colaboração com o movimento negro se desenvolveram. Ela foi uma fundadora da Rede Internacional de Salários Para o Trabalho Doméstico. Durante os anos 80 ela viveu e ensinou na Nigéria, aonde ela também trabalhou com organizações de mulheres e contra as políticas de ajuste estrutural que estavam sendo testadas através da África.

O título do seu livro vem de dois personagens shakespearianos: Caliban é o rebelde anticolonial, o trabalhador escravo que se revolta; e a Bruxa, deixada no pano de fundo pelo escritor inglês, agora toma a cena: sua aniquilação representa o início da domesticação das mulheres, o roubo do conhecimento que lhes dava autonomia para dar a luz, a conversão da maternidade em trabalho forçado, a desvalorização do trabalho reprodutivo como não-trabalho, e o crescimento difuso da prostituição diante da espoliação das terras comunitárias. Juntos, os nomes de Caliban e da Bruxa sintetizam a dimensão racista e sexista que o Capital tenta impor aos corpos, mas também as figuras desobedientes e plebeias através das quais eles resistem.

Na ocasião de seu lançamento na próxima Feira do Livro de Buenos Aires, apresentamos uma conversa com essa lutadora entusiasmante e lúcida, que faz uma linha entre a história das bruxas e a discussão do trabalho doméstico feminino. Para Federici, “as atividades associadas à ‘reprodução’ continuam a ser o terreno da luta fundamental para as mulheres, como foram para o movimento feminista dos anos 70, e uma ligação com a história das bruxas.

 

Da Itália aos Estados Unidos

 

Seu apartamento no Brooklyn foi arranjado para escrever, trabalhar e pesquisar. Centenas de artigos e arquivos estão espalhados, mas a ordem é meticulosa. Fotos de família e pôsteres políticos se alternam nas paredes, decoradas com cores e memórias. Sua cozinha, talvez o único espaço sem papéis, está iluminada e sugere um almoço de massa recentemente feito por seu marido, o filósofo George Caffentzis. A entrevista vem e vai entre o italiano e o inglês, as duas línguas em que a sua biografia se passa.

Verónica Gago: Como começou a sua militância feminista nos Estados Unidos?

Silvia Federici: Cheguei nos Estados Unidos em 1967. Me envolvi no movimento estudantil, no movimento contra a guerra. Também comecei minha participação no Movimento Salários para o Trabalho Doméstico e meu trabalho político integral como feminista. Em 1972 fundamos o Coletivo Feminista Internacional, que levou a Campanha Salários para o Trabalho Doméstico para uma esfera internacional. As raízes do meu feminismo estão, em primeiro lugar, na minha experiência como uma mulher crescendo em uma sociedade repressora, como a Itália era nos anos 50: anti-comunista, patriarcal, católica e esgotada pela guerra. A Segunda Guerra foi importante para o desenvolvimento do feminismo na Itália, porque marcou um momento de ruptura da relação das mulheres com o Estado e a família, porque fez as mulheres entenderem que elas precisavam se tornar independentes, que não poderiam deixar sua sobrevivência nas mãos dos homens e da família patriarcal, e que não tinham que produzir mais crianças para um Estado que mais tarde as mandava para o matadouro.

VG: Quais são as raízes teóricas?

SF: Teoricamente, meu feminismo foi a mistura de temas vindos tanto do movimento da autonomia operária na Itália e dos movimentos de desempregados, quanto do movimento anticolonial e dos movimentos de direitos civis e do movimento Black Power nos Estados Unidos. Nos anos 70 eu também era influenciada pelo Movimento Nacional de Direitos e Bem Estar, que era um movimento de mulheres, na maioria negras, que lutavam para conseguir subsídios do Estado para seus filhos. Para nós, esse era um movimento feminista porque essas mulheres queriam mostrar que o trabalho doméstico e o cuidado das crianças não é um serviço pessoal, mas um trabalho real, porque é o trabalho que sustenta todas as outras formas de trabalho uma vez que é o trabalho que reproduz a força de trabalho. Organizamos conferências, eventos, manifestações, sempre com a ideia de fazer o trabalho doméstico ser visto em um sentido amplo: sua implicação na sexualidade, na relação com as crianças, sempre enfatizando os fatores implícitos e a necessidade de mudar o conceito de reprodução e de colocar essa questão no centro do trabalho político.

Pelo salário e contra o salário

 

VG: E quanto ao conflito entre lutar pelo salário e a luta contra o trabalho assalariado?

SF: Na nossa visão, quando as mulheres lutam por um salário para o trabalho doméstico, elas também estão lutando contra esse trabalho, já que o trabalho doméstico pode continuar como tal enquanto não for pago. É como a escravidão. A exigência de um salário doméstico desnaturalizou a escravidão feminina. Assim, o salário não é o objetivo final, mas um instrumento, uma estratégia, para atingir uma mudança nas relações de poder entre as mulheres e o Capital. O objetivo da nossa luta era converter o trabalho escravo explorado que era naturalizado por causa de seu caráter não-pago em um trabalho socialmente reconhecido; ele deveria subverter a divisão sexual do trabalho baseada no poder do salário masculino de dominar o trabalho reprodutivo das mulheres, que em Caliban e a Bruxa eu chamo de “patriarcado do salário”. Ao mesmo tempo, propúnhamos ir além da culpa gerada pelo fato de que o trabalho reprodutivo foi sempre considerado como uma obrigação feminina, como uma vocação feminina.

VG: Então há uma recusa e ao mesmo tempo uma revalorização do trabalho doméstico?

SF: A recusa não é à reprodução enquanto tal, mas sim, é uma recusa às condições em que todo mundo, homens e mulheres, é obrigado a viver a reprodução social, ao ponto de que ela se torna a reprodução para o mercado de trabalho, e não para nós mesmos. Um tema que sempre foi central para nós foi o caráter duplo do trabalho de reprodução, de que ele reproduz a vida, a pessoa, e ao mesmo tempo, ele reproduz força de trabalho: é essa a razão pelo qual ele é tão controlado. Na nossa visão, estamos lidando com um trabalho muito particular, e então a questão fundamental sobre reproduzir uma pessoa é: para que e em que função isso deveria ser valorizado? Deve ser valorizado pela própria pessoa ou pelo mercado? É necessário entender que a luta das mulheres pelo trabalho doméstico é uma luta anticapitalista central. Ela realmente vai ao fundo da reprodução social, ela subverte a escravidão em que as relações capitalistas estão baseadas e ela subverte as relações de poder que elas criam o corpo do proletariado.

VG: Como sustentar a centralidade do trabalho doméstico muda a análise do capitalismo?

SF: Reconhecer que a força de trabalho não é uma coisa natural, mas que ela tem que produzir a si mesma, significa reconhecer que toda a vida se torna uma força produtiva e que todas as relações sexuais e familiares se tornam relações de produção. Isso quer dizer que o capitalismo não se desenvolve apenas dentro da fábrica, mas também na sociedade, e que a sociedade se torna uma fábrica de relações capitalistas, como um terreno fundamental para a acumulação capitalista. Por essa razão, o discurso do trabalho doméstico, da diferença de gênero, das relações entre homens e mulheres, da construção do modelo de mulher, é fundamental. Hoje, por exemplo, olhando para a globalização do ponto de vista do trabalho reprodutivo nos permite entender porque, pela primeira vez, mulheres são as pessoas que impulsionam o processo migratório. Nos permite entender que a globalização e a liberalização da economia mundial destruíram os sistemas de reprodução de países em todo o mundo, e porque hoje são as mulheres que abandonam duas comunidades, seus lugares, para encontrar meios de reprodução e melhorar suas condições de vida.

Experiência no Terceiro Mundo.

 

VG: Como sua vida na Nigéria nos anos 80 influenciou suas preocupações?

SF: Viver na Nigéria foi muito importante porque lá eu tive contato com a realidade africana, com o mundo dito “subdesenvolvido”. Foi um grande processo de aprendizado. Eu estava lá exatamente no período (1984-1986) de um intenso debate social, incluindo as universidades, sobre se endividar com o FMI ou não, depois do início da grande crise da dívida e o fim do período de desenvolvimento criado pelo boom do petróleo. Vimos o início da liberalização e as primeiras consequências desse programa para a sociedade, e também para as escolas: as imensas mudanças nos gastos públicos, o corte de subsídios para a saúde e a educação, o começo de uma série de lutas estudantis contra o FMI e seu programa de ajuste estrutural. Estava claro que não se tratava apenas de um conflito provocado pela pobreza, mas que era também um protesto contra um programa de recolonização política. Vimos claramente como uma nova divisão internacional do trabalho estava sendo criada, e que incluía uma recolonização desses países.

VG: Há também um tema dos bens comuns, e, em particular, da terra que também surgiu nesse momento…

SF: Sim. Outra coisa importante que aprendi na Nigéria foi sobre o problema da terá. Uma grande parte da população vivia da terra, em um regime de propriedade comunal. Para as mulheres, em particular, o acesso à terra significava a possibilidade de criar seus próprios meios de subsistência, a possibilidade de se reproduzirem e à suas famílias sem depender do mercado. Isso é uma coisa que se tornou uma parte importante da minha compreensão das coisas. Minha estadia na Nigéria também aumentou minha compressão dos problemas de energia, do petróleo e da guerra que estava acontecendo no mundo, promovida pelas companhias de petróleo. O que aconteceu na Nigéria nos anos 80 é o que aconteceu na Europa dez anos depois: primeiro, o sucateamento da universidade pública para depois transformá-la em de uma maneira corporativa, e é por isso que conhecimento que ela produz é orientado apenas para o mercado, e tudo fora dessa linha é depreciado.

VG: O que são bens comuns? De onde vem o discurso sobre os bens comuns?

SF: No discurso do movimento dos anos 60 e 70 o conceito de “comum” não existia. Lutava-se por muitas coisas, mas não pelos comuns, como os entendemos agora. A noção é um resultado das privatizações, de uma tentativa de se apropriar e mercantilizar o próprio corpo, o conhecimento, a terra, o ar e a água. O resultado não foi só uma reação, mas realmente uma nova consciência política ligada à ideia de nossa vida comum, e ela provocou uma reflexão sobre a dimensão comunitária das nossas vidas. Assim, há uma relação ou correspondência muito forte entre a expropriação, a produção do comum e a importância do comum como conceito da vida, de relações sociais.

VG: Qual é a influência das teorizações feministas a respeito da questão do comum?

SF: Formular a questão do comum de um ponto de vista feminista é crucial, porque atualmente as mulheres são as mais envolvidas na defesa dos recursos comuns e na construção de formas mais amplas de cooperação social. Através do mundo, mulheres são as produtoras agrícolas da subsistência, são elas que pagam o maior preço quando a terra é privatizada; na África, por exemplo, 80% da agricultura de subsistência é produzida por mulheres, e, portanto, a existência da propriedade comunal da terra e da água é fundamental para elas. Finalmente, o ponto de vista feminista está preocupado com a organização da comunidade e do ambiente doméstico. Porque uma coisa que me surpreende é que em todas as discussões do comum se fala da terra e da internet, mas o ambiente doméstico não é mencionado! O movimento feminista em que eu comecei sempre falava da sexualidade, das crianças e do ambiente doméstico. E mais tarde me interessei muito por toda a tradição feminista, de socialismo utópico e anarquista, sobre como abordar esses temas. Precisamos criar um discurso sobre o lar, o território, a família, e colocá-lo no centro das políticas do comum. Hoje vemos a necessidade de práticas para criar novos modelos comunitários.

VG: A que você se refere?

SF: Por exemplo, nos Estados Unidos, existem milhares de pessoas que hoje vivem nas ruas, em coisas como acampamentos, por causa da difusão das políticas de remoção forçada. No momento, existem acampamentos na Califórnia por causa da crise de habitação. É um momento em que a estrutura da relação social diária está se desfazendo, e a existe a possibilidade de uma nova forma de sociabilidade e cooperação. Penso que nesse sentido o que pôde ser visto no movimento de locatários removidos na Argentina foi fundamental, como um momento em que muitas pessoas precisaram colocar sua vida em comum. É precisamente isso a reinvenção da vida comunitária.

Covens

 

VG: Como você resumiria o objetivo da caça às bruxas?

SF: As caçadas às bruxas foram instrumentais na construção da ordem patriarcal em que os corpos das mulheres, seu trabalho e seus poderes sexuais e reprodutivos foram colocados sob controle do Estado e transformados em recursos econômicos. Ou seja, os caçadores de bruxas estavam menos interessados em punir uma determinada transgressão do que estavam em eliminar formas generalizadas de comportamento feminino que não toleravam mais e que deveriam se tornar abomináveis aos olhos da população.

VG: É por isso que a acusação podia ser estendida a milhares de mulheres…

SF: A acusação de bruxaria tinha uma função parecida com a de “traição” – que, sintomaticamente, foi introduzida no código legal inglês por volta da mesma época – e com a acusação de “terrorismo” nos nossos tempos. A vagueza da acusação – o fato de que era impossível comprová-la e de que ela, ao mesmo tempo, invocava um horror máximo – implicava que ela poderia ser usada para punir qualquer tipo de protesto, com o objetivo de gerar suspeita, incluindo os aspectos mais ordinários da vida cotidiana.

VG: Podemos dizer que em sua perseguição, uma grande batalha foi travada contra a autonomia das mulheres?

SF: Da mesma maneira que os cercamentos expropriaram as terras comunais do campesinato, a caça às bruxas expropriou os corpos das mulheres, “liberando-as” de qualquer obstáculo que pudesse atrapalhar seu funcionamento como máquinas para reproduzir a força de trabalho. A ameaça de serem queimadas na fogueira levantou barreiras formidáveis em torno dos corpos das mulheres, maiores do que as que foram levantadas pelo cercamento das terras comuns. Na verdade, podemos imaginar o efeito que teve sobre as mulheres verem suas vizinhas, amigas e parentes queimadas na fogueira, e perceber que qualquer tentativa de contracepção seria percebida como resultado de perversão demoníaca.

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de https://viewpointmag.com/2015/04/15/witchtales-an-interview-with-silvia-federici/.
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Dossiê: Pensar como um Pantera

Camaradas,

 

Deixamos marcadas aqui a reunião do bloco de traduções que fizemos dos textos do Partido dos Panteras Negras. Dúvidas, comentários, amores, ódios e apontamentos sobre erros nas traduções, deixem nos comentários. Boa leitura a todas e todos!

1. O Programa de Dez Pontos + Regras do Partido – Partido dos Panteras Negras (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/o-programa-de-dez-pontos-regras-do-partido-partido-dos-panteras-negras/)

2. “The Black Panther”: O Poder do Povo (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/the-black-panther-o-poder-do-povo/)
3.  “The Black Panther”: Corrigindo ideias equivocadas (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/the-black-panther-corrigindo-ideias-equivocadas/)
4. “The Black Panther”: Sobre a crítica de Cuba (https://autonomistablog.wordpress.com/2016/11/29/the-black-panther-sobre-a-critica-de-cuba/)
5.  Bobby Seale.  A Plataforma e o Programa de Dez-Pontos do Partido Pantera Negra (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/bobby-seale-a-plataforma-e-programa-de-dez-pontos-do-partido-dos-panteras-negras/)
6. Bobby Seale explica a política dos Panteras :uma entrevista (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/bobby-seale-explica-a-politica-dos-panteras-uma-entrevista/)
7. Connie Mathews. A luta é uma luta mundial (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/connie-mathews-a-luta-e-uma-luta-mundial/)
8. David Hilliard.  A ideologia do Partido Pantera Negra (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/david-hilliard-a-ideologia-do-partido-pantera-negra/)

9. Huey P. Newton fala à “The Movement” sobre o Partido Pantera Negra, nacionalismo cultural, SNCC, liberais e revolucionários brancos: uma entrevista (https://autonomistablog.wordpress.com/2016/11/08/huey-newton-fala-ao-the-movement-sobre-o-partido-pantera-negra-nacionalismo-cultural-sncc-liberais-e-revolucionarios-brancos/)

10. Huey P. Newton. Em defesa da auto-defesa: mandato executivo nº1 (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/huey-p-newton-em-defesa-da-autodefesa-mandato-executivo-n1/)
11. Huey P. Newton. O manejo correto de uma revolução (https://autonomistablog.wordpress.com/2016/11/21/273/)
12. Huey P. Newton. Uma definição funcional de política (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/huey-p-newton-definicao-funcional-da-politica/)
13. Linda Harrison. Sobre o nacionalismo cultural (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/linda-harrison-sobre-o-nacionalismo-cultural/)
14. Eldridge Cleaver. Uma carta aberta para Stokely Charmichael (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/eldridge-cleaver-uma-carta-aberta-para-stokely-charmichael/)
15. Eldridge Cleaver discute a revolução: uma entrevista do exílio (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/eldridge-cleaver-discute-a-revolucao-uma-entrevista-do-exilio/)
16. Afeni Shakur. Nós vamos ganhar: uma carta da prisão (https://autonomistablog.wordpress.com/2017/02/20/afeni-shakur-nos-vamos-ganhar-uma-carta-da-prisao/)

O Programa de Dez Pontos + Regras do Partido – Partido dos Panteras Negras

O Programa de Dez Pontos

1. Queremos liberdade. Queremos poder para determinar o destino de nossa comunidade negra.
Acreditamos que o povo negro não estará livre até que possamos determinar nosso próprio destino.
2. Queremos pleno emprego para o nosso povo.
Acreditamos que o governo federal é responsável e obrigado a dar a cada homem um emprego e um salário garantido. Acreditamos que se os empresários americanos brancos não derem o pleno emprego, então os meios de produção devem ser tomados dos empresários e dispostos para a comunidade, de modo que as pessoas da comunidade possam organizar e empregar toda a sua população e lhes dar um nível de vida maior.
3. Queremos um fim ao roubo de nossa comunidade negra pelos capitalistas
.
Acreditamos que esse governo racista nos roubou, e agora estamos cobrando a devida dívida de vinte hectares e duas mulas. Vinte hectares e duas mulas foram prometidos há 100 anos atrás como a restituição pelo trabalho escravo e o assassinato em massa do povo negro. Iremos aceitar o pagamento em espécie, que será distribuído às nossas muitas comunidades. Os alemães agora ajudam os judeus em Israel pelo genocídio do povo judeu. Os alemães assassinaram seis milhões de judeus. O americano racista participou do massacre de mais de cinquenta milhões de negros; portanto, sentimos que fazemos uma exigência modesta.
4. Queremos habitações decentes, capazes de abrigar seres humanos.
Acreditamos que se os proprietários brancos não oferecerem moradias decentes à comunidade negra, então as moradias e a terra deverão ser transformadas em cooperativas para que a nossa comunidade, com auxílio do governo, possa construir e fazer habitações decentes para seu povo.
5. Queremos educação para o nosso povo que exponha a verdadeira natureza dessa sociedade americana decadente. Queremos uma educação que nos ensine nossa verdadeira história e nosso papel na sociedade atual.
Acreditamos em um sistema educacional que irá oferecer ao nosso povo o conhecimento de si mesmo. Se um homem não conhece a si mesmo e sua posição na sociedade e no mundo, então ele tem poucas chances de conhecer qualquer outra coisa.
6. Queremos que todos os homens negros sejam dispensados do serviço militar.
Acreditamos que o povo negro não deveria ser forçado a lutar no serviço militar e defender um governo racista que não nos protege. Não lutaremos e mataremos outras pessoas de cor no mundo que, como o povo negro, estão sendo vitimizadas pelo racismo branco do governo americano. Iremos nos proteger da força e da violência da polícia racista e do exército racista, por todos os meios necessários.
7. Queremos o fim imediato da brutalidade policial e do assassinato do povo negro.
Acreditamos que podemos acabar com a brutalidade policial em nossa comunidade negra organizando grupos de autodefesa negros dedicados a defender nossa comunidade negra da opressão e da brutalidade da polícia racista. A Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos dá o direito de portar armas. Assim, acreditamos que todo o povo negro deveria se armar para a autodefesa.
8. Queremos a liberdade para todos os homens negros encarcerados nas cadeias e prisões federais, estaduais, de condado ou municipais.
Acreditamos que todo o povo negro deve ser liberado das muitas cadeias e prisões porque não receberam um julgamento justo e imparcial.
9. Queremos que todo o povo negro, quando levado a julgamento, seja julgado na corte por um júri de seu próprio grupo de pares ou povo das comunidades negras, como definido pela Constituição dos Estados Unidos.
Acreditamos que as cortes deveriam seguir a Constituição dos Estados Unidos, de maneira que o povo negro receba julgamentos justos. A Décima Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos dá a um homem o direito de ser julgado por seu próprio grupo de pares. Um par é uma pessoa de condições econômicas, sociais, religiosas, geográficas, ambientais, históricas e raciais similares. Para fazer isso a corte será forçada a selecionar um júri da comunidade negra da qual o réu negro veio. Fomos e somos julgados por júris totalmente brancos que não tem compreensão do “homem racional médio” da comunidade negra.
10. Queremos terra, pão, moradia, educação, vestimentas, justiça e paz.
Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário que um povo dissolva as amarras políticas que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da terra, a posição igual e separada a que as leis da natureza e de Deus lhe dá direito, um respeito decente pelas opiniões da humanidade exige que eles devam declaras as causas que os levam à separação.
Acreditamos que essas verdades são auto-evidentes, que todos os homens são criados iguais, que eles são investidos, por seu Criador, de certos direitos inalienáveis; que entre esses direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que, para garantir esses direitos, são instituídos governos entre os homens, derivando seus poderes justos do consentimento dos governados; que, aonde quer que uma forma de governo se torne destrutiva desses fins, é o direito do povo alterá-lo ou aboli-lo, e constituir um novo governo fundado nesses princípios e organizando seus poderes de tal maneira que for melhor para que o povo efetive sua segurança e felicidade. A prudência, com efeito, irá dizer que governos estabelecidos há muito tempo não devem ser mudados por razões pequenas e transitórias; e, de acordo com isso, toda experiência mostrou que a humanidade está mais disposta a sofrer, enquanto os males forem suportáveis, do que se acertarem abolindo as formas às quais está acostumada. Mas quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objetivo, evidencia um desejo de reduzi-la ao despotismo absoluto, é seu direito, é seu dever, derrubar um tal governo e oferecer novos guardas para a segurança de seu futuro

Regras do Partido dos Panteras Negras

Cada membro do Partido dos Panteras Negras nesse país racista da América deve se pautar por essas regras como membro funcional deste partido. Membros do Comitê Central, Núcleos Centrais e Núcleos Locais, incluindo todos os capitães subordinados seja à liderança nacional, estadual ou local do Partido dos Panteras Negras irão garantir estar regras. O tamanho da suspensão ou outras ações disciplinares necessárias pela violação destas regras irá depender das decisões nacionais pelos comitês e núcleos nacionais, estaduais ou locais em que a regra ou regras do Partido dos Panteras Negras em questão tiverem sido violadas. Cada membro do partido deve saber essas regras de cor. E aplica-las diariamente. Cada membro deve reportar qualquer violação destas regras à sua liderança, ou são contrarrevolucionários e também estarão sujeitos à suspensão pelo Partido dos Panteras Negras. As regras são:
1. Nenhum membro do partido pode possuir drogas ou maconha enquanto faz trabalho do partido.
2. Qualquer membro do partido encontrado injetando drogas será expulso deste partido.
3. Nenhum membro do partido pode estar bêbado enquanto faz o trabalho diário do partido.
4. Nenhum membro deverá violar regras relacionadas ao trabalho de escritório, reuniões gerais do Partido dos Panteras Negras ou reuniões do Partido dos Panteras Negras em qualquer lugar.
5. Nenhum membro do partido deverá usar, apontar ou disparar uma arma de qualquer tipo desnecessária ou acidentalmente em alguém.
6. Nenhum membro do partido pode se alistar em qualquer força militar além do Exército de Liberação Negra.
7. Nenhum membro do partido pode estar com uma arma enquanto estiver bêbado ou sob o uso de drogas ou maconha.
8. Nenhum membro do partido irá cometer nenhum crime contra outros membros do partido ou o povo negro em geral, e não pode roubar ou tomar do povo, nem uma agulha ou linha.
9. Quando presos, os membros do Partido dos Panteras Negras darão apenas seu nome e endereço e não assinarão nada. As primeiras precauções legais devem ser compreendidas por todos os membros do partido.
10. O Programa de Dez Pontos e a plataforma do Partido dos Panteras Negras devem ser conhecidos e compreendidos por todos os membros do partido.
11. As comunicações do partido deve ser nacionais e locais.
12. O programa 10-10-10 deve ser conhecido e compreendido por todos os membros.
13. Todos os funcionários de finanças deverão operar sob a jurisdição do Departamento de Finanças.
14. Cada um deverá enviar um relatório do trabalho diário.
15. Os líderes de cada subseção e seção, tenentes e capitães devem enviar relatórios diários de trabalho.
16. Todos os Panteras deverão aprender a carregar e usar armas corretamente.
17. Todos os líderes que expulsam um membro devem enviar esta informação ao editor do jornal, para que ele a publique no jornal e seja conhecida por todas as sucursais e seções.
18. Aulas de educação política são obrigatórias para todos os membros.
19. Apenas os funcionários designados para respectivos escritórios diariamente devem estar lá. Todos os outros devem vender jornais e fazer trabalho político na comunidade, incluindo capitães, líderes de seção, etc.
20. Comunicações – todas as seções devem submeter relatórios semanais por escrito ao Centro Nacional.
21. Todas as sucursais devem implementar quadros médicos e/ou para primeiros socorros.
22. Todas as seções, sucursais e componentes do Partido dos Panteras Negras devem remeter um relatório financeiro mensal ao Departamento de Finanças e também ao Comitê Central.
23. Todos em uma posição de liderança devem ler não menos do que duas horas por dia para se colocar a par da situação política corrente.
24. Nenhuma seção ou sucursal deve aceitar concessões, fundos de pobreza, dinheiro ou qualquer ajuda de uma agência governamental sem contatar o Centro Nacional.
25. Todas as seções devem aderir à política e à ideologia estabelecidas pelo Comitê Central do Partido dos Panteras Negras.
26. Todas as sucursais devem remeter relatórios semanais por escrito às suas respectivas seções.
8 Pontos de Atenção
1. Falar educadamente.
2. Pagar justamente pelo que você compra.
3. Devolver tudo o que você pede emprestado.
4. Pagar por qualquer coisa que você quebre.
5. Não bater nem xingar as pessoas.
6. Não danifique propriedade ou plantações das massas pobres e oprimidas.
7. Não tome liberdades com mulheres.
8. Se em algum momento tivermos que tomar prisioneiros, não os maltrate.
3 Principais Regras de Disciplina
1. Obedeça ordens em todas as suas ações.
2. Não tome nenhuma agulha ou fio das massas pobres e oprimidas.
3. Entregue tudo o que for capturado do inimigo em ataque.

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
Você pode contribuir enviando e-mails indicando erros de tradução ou sugestões de melhoria para autonomistablog@gmail.com
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The Black Panther: O Poder do Povo

O Partido Pantera Negra (ou qualquer força de liberação negra) não pode ter sucesso sem o apoio total do povo. Todo o poder vem do povo. Mas é normal escutar que um determinado setor da população em geral tem todo o poder porque ele tem a maior concentração de dinheiro e armas. Isso não é verdade. Sem o povo, tanto o dinheiro quanto as armas são inúteis. As armas só são fonte de poder se elas estão submetidas à vontade do povo. Se um grupo de dez homens tivesse a única bomba atômica que existisse, o seu poder ainda seria limitado pelo seu número. Eles não poderia forçar o resto do mundo a pagar tributo para eles simplesmente porque eles a posse de uma arma destrutiva não torna o homem invencível. O homem sempre está sujeito à derrota.

O povo do mundo não iria se submeter a um grupo de dez homens. O povo fingiria submissão, e então destruiria esses dez homens na primeira oportunidade.

O exemplo dos dez homens que têm uma bomba atômica é uma pura conjectura, ainda que a mesma situação possa ser reduzida a um homem apontando uma pistola para dez homens. O homem com a arma tem apenas o poder de destruir, mas não o poder de controlar. Os dez homens desarmados poderia vencer esse único homem e tomar a sua arma. Alguns dos homens desarmados podem morrer na tentativa, mas a morte de alguns sempre é o preço da liberdade de todos.

O dinheiro também exige pessoas para ter poder. Se as pessoas se recusassem a aceitar o dinheiro de um país como pagamento por bens e serviços, esse país teria que depender do trabalho do seu povo como a sua única fonte de riqueza e poder. Uma situação dessas pode ser comparada a viajar pela América com um talão de cheques, mas nenhum dinheiro. Se ninguém aceita os seus cheques, todo o dinheiro que você tem no banco seria inútil.

O povo são a fonte de poder no fim das contas. Vamos nos unir e dar mais poder aos Panteras Negras, para que os Panteras liberem todo o poder para “o povo”.

 

The Black Panther, 26 de outubro de 1968

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
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The Black Panther: Corrigindo ideias equivocadas

Capitão Crutch)

 

Existem muitas ideias ruins no Partido Pantera Negra e no Exército Negro de Libertação que atrasam bastante a aplicação da ideologia correta do partido. Mas a não ser que essas ideias sejam integralmente corrigidas, o Exército Negro de Libertação não pode dar conta das tarefas atribuídas a ele pela grande luta revolucionária da América Negra. A fonte dessas ideias incorretas é que o partido é composto em grande parte de negros [niggers] das ruas de gueto ao lado de elementos negros pequeno-burgueses. Os líderes do partido, no entanto, não consegue conduzir uma luta harmônica e determinada contra essas ideias incorretas, educar (e reeducar) os membros na ideologia correta do partido – que é também uma causa importante da sua existência e do seu crescimento. E eu chamo os membros do partido a ajudar a eliminar as ideias equivocadas e os métodos incorretos integralmente.

  1. O ponto de vista puramente militar é altamente desenvolvido em um bom número de membros.
  2. Alguns membros do partido encaram as tarefas militares e a política como opostos e se recusam a reconhecer que as tarefas militares são apenas um meio de realizar as tarefas políticas.
  3. Eles não entendem que o Partido Pantera Negra é um corpo armado para a execução das tarefas políticas da revolução. Não devemos nos confinar a apenas lutar. Devemos também assumir tarefas importantes como fazer propaganda entre o povo, armar o povo, e ajudá-los a criar o poder revolucionário para o povo negro. Sem esses objetivos, a luta perde o sem sentido e o Partido Pantera Negra perde a razão de sua existência.
  4. Ao mesmo tempo, no trabalho de propaganda eles diminuem a importância dos grupos de propaganda. Eles também negligenciam a organização das massas. Portanto, tanto o trabalho organizacional quanto o de propaganda são abandonados.
  5. Eles se tornam pretensiosos quando se vence uma batalha e ficam desanimados quando se perde uma batalha.
  6. Departamentismo egoísta – eles pensam apenas no Partido Pantera Negra e não percebem que é uma tarefa importante do Exército Negro de Libertação armar as massas locais. Isso é um grupelhismo em forma aumentada.
  7. Incapazes de ver além de seu ambiente limitado no interior do Partido Pantera Negra. Declarações como “nós, os panteras de São Francisco”, “nós, os panteras de Nova York”, e etc. Eles tem que perceber que os panteras são todos um e o mesmo. Além disso, alguns panteras pensam que não existe nenhuma outra força revolucionária. Daí o seu extremo apego à ideia de conservar forças e evitar a ação. Isso é um resquício de oportunismo.
  8. Alguns panteras menosprezam as condições subjetivas e objetivas, sofrem da doença da impulsividade revolucionária; eles não se darão ao trabalho de fazer um trabalho minucioso e detalhado entre as massas. Eles não querem distribuir panfletos, vender jornais, etc. Essas coisas parecem pequenas, embora elas sejam muito importantes. Ainda assim, eles estão cheios de ilusões e só querem fazer coisas grandes. Isso é um resquício de putschismo.

 

As fontes desse ponto de vista exclusivamente militar são:

  1. Um baixo nível político.
  2. Uma mentalidade de mercenário.
  3. Confiança excessiva na fora militar e falta de confiança nas forças das massas do povo. Isso vem dos pontos anteriores.

Os métodos de correção são os seguintes:

  1. Subir o nível político no partido pela educação. Ao mesmo tempo, eliminar os resquícios do oportunismo e do putschismo e derrotar o departamentismo egoísta.
  2. Intensificar o treinamento políticos dos homens e oficiais. Selecionar trabalhadores e pessoas experientes na luta para se unirem ao partido; assim enfraquecendo organizativamente o até mesmo erradicando o ponto de vista exclusivamente militar.
  3. O partido deve ativamente se envolver e discutir o trabalho militar.
  4. Determinar regras e regulações no partido que definam claramente as tarefas e a relação entre seus aparelhos políticos e militares e a relação entre o partido e as massas do povo.

 

The Black Panther, 26 de outubro de 1968

 

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
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Bobby Seale – A Plataforma e Programa de Dez-Pontos do Partido dos Panteras Negras

“QUEREMOS TERRA, PÃO, MORADIA, EDUCAÇÃO, VESTUÁRIO, JUSTIÇA E PAZ…”

 

Hoje, esta é apenas uma parte do número 10 da plataforma e programa de dez pontos “O que queremos” do partido dos panteras negras. As massas trabalhadoras e exploradas, e os povos pobres e oprimidos mundo afora, querem e necessitam dessas demandas para a sobrevivência humana básica. O Partido dos Panteras Negras começou quando Huey e eu delineamos os desejos e necessidades políticas básicas e os colocamos na forma de uma plataforma e programa de “O que queremos” e dez em “Em que acreditamos”. Huey e eu nos sentamos ali no Escritório de Pobreza onde trabalhávamos, numa noite de Outubro de 1966, e começamos um partido político revolucionário, sabendo que o programa não era apenas alguma coisa que havíamos inventado. O programa era um esboço dos desejos e necessidades políticas básicas que remontava à história do povo Negro sofrendo sob a opressão exploradora da gananciosa, viciosa e capitalista classe dominante da América. A Plataforma e Programa nada mais é do que as nossas flagrantes reivindicações, dos negros americanos. Elas são as demandas básicas de “O que queremos” e “em que acreditamos”.

Naturalmente, essas demandas têm uma semelhança muito internacional e proletária com aquelas de qualquer povo que esteja lutando contra os três níveis de opressão: os homens de negócios gananciosos, exploradores, ricos e avaros; os políticos enganadores, mentirosos, ardilosos e demagogos; os policiais atrozes, assassinos, brutalizadores, intimidadores e fascistas. Os três níveis de opressão existem em virtualmente todos os países onde há exploração capitalista e os minoritários, mas opressores, círculos da classe dominante da América estão à frente de todos. Eles os lideram com seu belicismo imperialista, fascista, agressivo e colonialista, não apenas no exterior, mas aqui em casa, na América (Babilônia), onde centenas de anos de racismo maníaco e sutil foi organizado e desenvolvido pelos ricos gananciosos, organizado e desenvolvido em fascismo-imperialismo doméstico.

O Imperialismo Comunitário se manifesta ou prontamente é visto com respeito à colonização doméstica dos povos Negro, Chicano, Indígena e outros povos não-brancos sendo confinados em guetos miseráveis e/ou em plantações e reservas sulistas com os porcos assassinos, fascistas e brutalizadores ocupando as comunidades e áreas como um exército estrangeiro ocupa territórios. O Imperialismo Doméstico deste tipo não é limitado aos povos preto, marrom e vermelhos, especialmente hoje em dia quando massas de americanos tiram tempo para lembrar a supressão fascista por milhares de policiais e guardas nacionais na Convenção Democrata em novembro último. Além disso, nos últimos anos, em todos os principais campus universitários, o fascismo assassino e brutal na América fez aparições contra estudantes brancos, pretos e marrons e outros estudantes que tentaram usar os seus “direitos democráticos” para mudar administrações racistas e protestar contra a guerra do Vietnam e contra a brutalidade e pobreza nos guetos da América.

O Fascismo na América tem existido por tantos anos mais antes das formas recentes de repressão surgirem. E cada americano (e o povo negro em particular) PODE identificá-lo exatamente como é. Racismo mais capitalismo gera fascismo quando homens de negócios avarentos se recusam a dar o controle aos trabalhadores desempregados e seus sindicatos. E a história atestou isso desde os anos de repressão e desemprego da década de 30 até hoje, quando as pessoas do sindicato vai trabalhar e fazer greve e os povos demandam diante dos nossos olhos que lhes seja permitido trabalhar. E policiais brutais surgirão, e políticos ardilosos surgirão, para enganar e iludir o povo, para oprimir e reprimir suas ações, para assumir o controle das mesmas fábricas nas quais eles têm que produzir mercadorias e riquezas que eles nunca recebem de volta.

O fascismo dá crias quando os políticos preguiçosos, ardilosos e demagogos mentem e iludem o povo sobre o sofrimento a que o povo negro está sujeito, a que o povo marrom está sujeito, a que os povos de qualquer cor ou povos minoritários, ou quaisquer povos brancos pobres estão sujeitos. Quando o povo se move para se manifestar e protestar esses trabalhadores dos direitos humanos e dos direitos civis são assassinados e mortos; quando crianças foram mortas por uma bomba na Igreja em Birmingham, milhares de ativistas são espancados e brutalizados como em Birmingham, Alabama, lá em 1963. Isto em si mesmo começa a provar o que são os políticos demagogos – com promessas de acabar com a pobreza, com promessas de uma “Grande Sociedade”, as promessas de “enfrentar os problemas”, etc., etc, etc.

Por causa da Plataforma e Programa de Dez Pontos básica que foi montada, que lida com a necessidade de pleno emprego para nosso povo, que denuncia isso; que lida com a necessidade de moradia decente, abrigo adequado para seres humanos; que lida com uma educação decente e nos ensina nossa história e nosso lugar no mundo e na sociedade; que lida com a necessidade de ter julgamentos justos pelos nossos pares ou pessoas de nossas comunidades negras ou dos distritos onde vivemos – por causa de um programa que fala de terra, pão, moradia, educação, vestuário, justiça e paz; por causa de um programa que falava de um plebiscito supervisionado pelas Nações Unidas, a ser realizado por toda a colônia negra onde os sujeitos coloniais participariam e determinariam nossa vontade e nosso destino; por causa de um programa que afirmava que queríamos os homens negros isentos dos serviços militares por conta de todas as injustiças que sofremos depois de lutar guerras no passado para a classe dominante fascista (e nos recusamos a continuar morrendo por eles); por que a Plataforma e Programa de Dez Pontos dizia em seu sétimo ponto “queremos o fim imediato da brutalidade policial e assassinatos do povo Negro”; por que Huey P. Newton construiu esse programa e fundou essa organização com essa Plataforma e Programa de Dez Pontos que traçava os desejos e necessidades políticas básicas do povo; por causa disso, porque começamos a implementá-lo; porque fomos para as ruas para começar a ensinar e educar o  povo nos métodos estratégicos para ter esses desejos e necessidades atendidas; por causa disso, Bobby Hutton foi assassinado pelos porcos fascistas de Oakland. Por causa disso, tivemos Alprentice “Bunchy” Carter e o irmão John Huggins também assassinados na UCLA por cães ciumentos, egoístas e suínos que trabalhavam para os porcos da classe dominante. Por causa disso e por causa da Plataforma e Programa de Dez Pontos que está lá pelos desejos e necessidades básicas do povo negro aqui na América e qualquer outro povo e outras lutas proletárias acontecendo no mundo – por causa disso nós tivemos dois irmãos mais assassinados pelos porcos nacionalistas, nacionalistas culturais Negros.

Por causa desse programa, nós temos presos políticos. Temos uma guerra em curso. A guerra começou 400 anos atrás, a guerra deve terminar. E só seguindo adiante implementando a Plataforma e Programa de dez pontos; por nos agarramos ao fato de que receberemos, ao longo da luta, alguma liberdade e dignidade e justiça, o ponto dez será realizado. Dizemos no número dez que queremos um alguma terra, algum pão, alguma moradia, alguma educação, algum vestuário, alguma justiça e alguma paz. Por causa disso, parece que morreremos; seremos exilados; e parece que teremos presos políticos.

Então vamos libertar todos os presos políticos por causa da Plataforma e Programa de Dez Pontos. Porque é esta a ideia; esta é a ideia que não pode nunca ser detida. E como nosso Ministro da Defesa eloquentemente nos explicou em “Prisão – Onde está tua Vitória?”, uma ideia pertence ao povo.

 

Poder para o Povo

Presidente, Bobby Seale

Partido dos Panteras Negras

 

– O Pantera Negra, 18 de Outubro de 1969.

 

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
Você pode contribuir enviando e-mails indicando erros de tradução ou sugestões de melhoria para autonomistablog@gmail.com
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Bobby Seale explica a política dos Panteras: uma entrevista

Você está na cadeia desde agosto. Você pode nos dar alguns detalhes sobre seu tratamento na cadeia desde então?

 

Bem eu estive em algumas cadeias desde que fui preso em 19 de agosto – Condado S.F. e Condado Cook (Chicago) e algumas outras cadeias país afora. Na cadeia do condado de S. F. fui jogado no buraco por ter um jornal do Partido dos Panteras Negras que um dos guardas aqui na verdade me deixou ter, depois que meu advogado, Charles Garry, requisitou que eu o tivesse baseado no fato de que eu precisava fazer algumas notas e esboços de alguns dos discursos que fiz, cujo conteúdo deveria aparecer no tribunal.

Pode descrever esse buraco?

 

O buraco em si é uma caixa de um metro e meio de altura e dois de comprimento. Você não tem cama, lugar para dormir, vaso sanitário. Só há um buraco no chão onde alguém pode defecar, urinar e ele frequentemente inunda. Isto foi declarado inconstitucional pela suprema corte do estado em 1966. A decisão afirmava que um homem deveria ter ao menos um cobertor de algum tipo, refeições completas e um vaso sanitário. Recentemente houve uma investigação do grande júri sobre as condições carcerárias do condado, mas toda vez que um membro do grande júri se aproxima eles tiram o preso do buraco até que tenha ido embora; e depois eles o colocam lá de novo.

 

Que tipo de leitura é permitida a você aqui?

A única coisa permitida é o jornal diário e isso, claro, é muito limitado em termos de qualquer história ou literatura negras lidando com a mudança revolucionária que está acontecendo na América. Mesmo que eu quisesse ler sobre a história do povo de Chicago, sobre os povos asiáticos ou africanos, eles não permitem esses materiais na cadeia. Aqui eles chamam isso de contrabando.

Por que você foi acusado na Conspiração dos 8 de Chicago, já que sua conexão com os outros sete era tênue e você só permaneceu umas doze horas em Chicago durante o período do levante?

Bem, eu era um dos líderes na contribuição dos Panteras para a luta revolucionária, junto com Huey Newton e Eldridge Cleaver. Huey estava na cadeia e Cleaver estava no exílio político, e eu penso que eles viram a necessidade de se mover contra mim. No momento em que fui acusado estava numa visita aos países escandinavos, então eles talvez esperassem que não fosse voltar. Contudo, suas razões para se moverem contra mim são as mesmas razões pelas quais estão se movendo contra o irmão [David] Hilliard e outros líderes Panteras. Eles não têm nenhuma prova contra mim. Tudo que fiz foi fazer um discurso [em Chicago] sobre o direito à auto-defesa contra os ataques brutais, injustos. Sempre fizemos discursos como este, mas eles o inverteram e disseram que estava defendendo um levante. O Partido dos Panteras Negras mostra que nós não acreditamos em levantes espontâneos porque vimos tantos de nosso povo mortos devido à falta de organização adequada. Outra razão para que me incluíssem na conspiração é a de que a estrutura de poder está começando a perceber que 30 milhões de pessoas negras estão começando a ouvir o Partido dos Panteras. Se fossemos racistas negros eles facilmente conseguiriam nos isolar, mas este não é o caso.

O Partido dos Panteras Negras foi criticado por sua retórica. Qual é a sua reação a isso?

Quando usamos o termo “porco”, por exemplo, estamos nos referindo a pessoas que sistematicamente violam os direitos constitucionais do povo – sejam eles capitalistas monopolistas ou policiais. O termo está agora sendo adotado por radicais, hippies e minorias. Até mesmo os trabalhadores, quando os porcos apoiaram fura-greves como fizeram na Union Oil em Richmond, quando 100 policiais locais vieram e racharam a cabeça dos grevistas, começaram a chamá-los pelo seu nome verdadeiro. Mas eu penso que as pessoas, especialmente as pessoas brancas, passaram a entender que a linguagem do gueto é uma linguagem própria e como o partido – cuja maior parte dos membros são do gueto – busca falar com o povo, ele deve falar a linguagem do povo.

Você foi levado a julgamento na conspiração como resultado da repressão contínua do Prefeito Daley e das autoridades de Chicago sobre o partido dos Panteras Negras, que em dezembro resultou nas mortes de Fred Hampton e Mark Clark? Eles estavam com medo da crescente influência do partido no lado oeste de Chicago?

Definitivamente. Mas eu não localizaria somente esta tentativa conspiratória por parte da classe dominante avara e demagógica que se estende do regime de Nixon para baixo. Todos são parte e parcela desta tentativa de eliminar o partido. Quando vemos o que aconteceu com o irmão Fred Hampton e o irmão Mark Clark na batida policial antes do amanhecer. Quando vemos esse tipo de ação vemos o estalar do fascismo. Eles pensam que podem se safar com o que estão fazendo porque enganaram e iludiram o povo. Veja, quando eles acusam uma pessoa de um crime, a mídia de massas vai tender a desacreditar a pessoa completamente. Vemos isso acontecer nos casos envolvendo os Panteras em Connecticut e New York…e no caso do irmão Hilliard, a imprensa não entendeu a maneira como ele fala e a linguagem no gueto. Por exemplo, suas observações representavam uma crítica pesada a Nixon e à estrutura de poder que ele representa. A mídia extraiu suas observações do contexto e criou um clima de opinião pública pelo qual ele poderia ser acusado de ameaçar a vida do Presidente. Como resultado desse tipo de cobertura da mídia, os agentes da lei sentiram que o povo tinha sido suficientemente enganado para que pudessem atacar os Panteras.

Depois que eles tivessem efetivamente removido as lideranças eles poderiam avançar sobre as fileiras e filiados do Partido?

Exatamente.

Por que você pensa que esse tiro saiu pela culatra?

Eles não poderiam limpar o sangue das mãos rápido o suficiente. Eles fizeram coisas similares no passado. Muitos irmãos foram baleados e mortos. Antes, a imprensa publicava os relatórios policiais e ninguém seria capaz de saber o que realmente acontecera. Mas nesse caso era diferente. Cerca de 80.000 pessoas foram à casa onde Hampton foi baleado e morto e efetivamente viram os buracos de bala na parede. Essas pessoas viram em primeira mão a tática genocida.

No caso do ataque policial em Los Angeles, uma experiência educativa similar aconteceu, não?

Precisamente. Eu suponho que o que a polícia de LA esperava era conseguir uma batida de 10 a 15 minutos no início da manhã e atirar e matar quem eles quisessem e depois sair de lá mas o partido foi esperto e uma irmã no escritório fez uma ligação antes de que eles cortassem as linhas dizendo que precisávamos de pessoas e imprensa aqui, e eles vieram para a área do tiroteio. Então quando a versão da polícia saiu na imprensa as pessoas foram capazes de comparar essa versão com o que viram…

É significante que no caso de LA cerca de 300 a 500 policiais equipados com o armamento mais avançado levaram cinco horas para superar uma grupo de 14 homens e mulheres Panteras?

Este é um ponto importante. Você sabe que eles tinham um tanque preparado na cena. Isto é o fascismo – é tudo que isso é. Apesar dos relatórios policiais em sentido contrário, afirmando que eles bateram na porta e pediram aos irmãos para saírem, os irmãos estavam dormindo quando a polícia crivou o escritório com balas e quando eles quebraram a porta e entraram atirando e os irmãos não tiveram outra alternativa a não ser defender a si mesmos. Esta tática revela a verdadeira natureza das intenções da polícia: um, atirar e matar quantos Panteras for possível; dois, colocar o resto na cadeia em acusações falsas. Em outras palavras, os agentes da lei querem eliminar os Panteras. Eles não escondem sua tentativa conspiratória. No caso de LA estava nos jornais como [Governador Ronald] Reagan e [Chefe do FBI] Hoover estavam falando no telefone antes de que a batida policial mostrasse isso. Quando o Departamento de Justiça afirma que não tem intenção de eliminar os Panteras, sabemos que esta afirmação é falsa e sabemos que eles estão comprometidos com a repressão política.

Acerca do julgamento da conspiração de Chicago, o réu Rennie Davis disse que o mais importante tema dramatizado pelo julgamento foi o racismo, simbolizado por seu amordaçamento e acorrentamento. Como você vê isso?

Bem, é simbólico no sentido que o racismo judicial é tão velho quanto Dred Scott[1] e mostra que muito pouco mudou desde 1857 nas cortes. Por outro lado, meu acorrentamento e amordaçamento mostram que ninguém na América tem justiça. Quero dizer, os gatos brancos nesse julgamento foram tratados de maneira similar a que fui tratado. A mentalidade racista pode ser aplicada a outros povos que não os negros. Este é o ponto mais importante levantado pelo meu tratamento no julgamento. Quero dizer, o fato de que eles tinham oficiais negros no julgamento não parou o racismo do julgamento mesmo. O uso de oficiais negros foi uma tática diversionista por parte da corte. A corte poderia então afirmar, como fez, que a presença de agentes da lei negros na sala de audiências tornaram minhas reclamações de racismo inaplicáveis. Bem, eu digo que se um juiz negro fosse usar as mesmas táticas fascistas, racistas que Julius Hoffman, não teria agido de maneira diferente. Veja, uma coisa importante é entender que o sistema em si mesmo é branco.

É evidente ultimamente que houve uma mudança tática dos radicais acerca do sistema judicial. Antes, radicais, tanto brancos como negros, sentavam e permitiam que a corte procedesse de maneira “ordeira”. Agora os radicais decidiram transformar seus julgamentos em fóruns políticos para expor a natureza política da acusação e publicizar suas ideias políticas e estilos de vida. Por que esta mudança aconteceu?

Nós todos percebemos que o processo do sistema judicial americano, incluindo o procedimento de julgamento e a formação do júri, viola atualmente o direito constitucional de um julgamento justo por um júri composto por pares. Isto não para na sala de audiências. Veja o valor das fianças no caso dos 21 de Nova York, que resulta em detenção forçada. Eles têm que pagar U$100.000,00 cada, mas isto não pode ser atingido. Isto é uma violação explícita dos direitos constitucionais. No meu caso em Chicago, não foi permitido sequer me defender, e isto foi permitido na Alemanha nazista, em 1933, a um comunista búlgaro [Dimitroff] acusado de colocar fogo no Reichstag. Em LA recentemente, Panteras acusados de tentativa de assassinato no tiroteio de Watts levaram ratos que haviam recolhido em suas celas para a sala de audiências. Até mesmo as condições da cadeia violam direitos constitucionais. Na mesma cadeia, recentemente, um dos agentes penitenciários tentou espancar um irmão e os irmãos tiveram que se defender dos agentes, então pode-se ver que a inconstitucionalidade do sistema judicial se aplica a todos os níveis, incluindo o penitenciário. As pessoas que suportam a parte podre deste sistema agora estão mostrando uma vontade de se levantar contra ele e os julgamentos recentes apontam isso. Elas estão querendo definir um juiz racista como um fascista e um porco – isto é o que partido chama de porco, alguém que viola o direito constitucional de uma pessoa. Em qualquer caso o setor judicial do governo é a última área de apelo quando os direitos de uma pessoa forem violados por leis injustas e pela violência dos agentes da lei, então quando fosse está numa sala de audiências e descobre que o juiz mesmo é um fascista, neste ponto você não tem muita alternativa a não ser expor o racismo e fascismo dele e lutar pelos seus direitos constitucionais. Tudo que fiz em Chicago foi exercer meu direito legal de falar em minha própria defesa e recebi quatro anos na cadeia como resultado. Mas eu penso que a mais séria injustiça perpetrada pelo sistema de justiça na América é a impossibilidade de um homem negro de conseguir um júri de seus pares. No julgamento de Huey Newton havia um homem negro e ele estava acima dos 40 anos. Isto aconteceu numa cidade que é cerca de 50% negra. Huey havia sido estudante na faculdade. Por que ele não podia ter algumas pessoas jovens ou estudantes naquele júri?

 

O que você pensa da recente revelação do prefeito de Seattle de que autoridades federais tentaram influenciá-lo a atacar o quartel general dos Panteras naquela cidade?

Não é revelação. Nós temos falado de uma conspiração liderada pelo governo federal contra o partido por algum tempo. Em certo sentido, é uma revelação o fato de que um oficial de governo exponha a tentativa. Mas o homem nos comparou aos Minutemen[2] e não somos Minutemen. Não acreditamos em construir arsenais de armas. Se você for a um escritório dos panteras e encontrar 10 panteras você provavelmente descobriria que cada uma dessas pessoas tem uma arma para defesa pessoal somente. As regras do partido são bastante estritas sobre isso. Eu acho que é importante que esse oficial não tenha se entregue as táticas de Gestapo dos agentes da lei do governo federal, mas penso que essa concepção da atitude do partido sobre auto-defesa é errônea. Este é um erro típico: muitas pessoas se concentram no aspecto de auto-defesa do programa do partido e não olham outros programas que o partido apóia, como o café da manhã de graça para as crianças, polícia controlada pela comunidade, programas de vestuário gratuitos, mercados cooperativos, habitação cooperativa, com uma ênfase para unificar todos os trabalhadores em torno da jornada de trabalho de 30 horas semanais nesse país com o mesmo salário, o tema dos empregos para os pobres e oprimidos e o tema de quem controla dos meios de produção nesse país. Em outras palavras, mudança social drástica através do socialismo. Com isto em mente, é difícil nos acusar de sermos tipos como Minutemen.

O aspecto de auto-defesa do partido incomoda de fato muita gente neste país. Você poderia esclarecer a posição dos Panteras?

Primeiro de tudo, nenhum Pantera pode quebrar uma lei sobre armas a menos que sua vida esteja em perigo e o partido reconhece isso. Se ele o faz será expulso ou suspenso dependendo da seriedade da violação. O treinamento Pantera na área de auto-defesa inclui um estudo das leis sobre armas, sobre  uso seguro de armamento e há uma regra rígida segundo a qual nenhum membro do partido pode usar uma arma exceto em caso de ataque a sua vida – seja este ataque feito por um policial seja por qualquer outra pessoa. No caso de assédio policial o partido simplesmente imprimirá a imagem do policial assediador no jornal de maneira que este policial possa ser identificado como inimigo do povo… nenhum atentado contra sua vida será cometido.

Qual é a posição do partido dos panteras negras sobre o machismo (male chauvinism)?

A luta contra o machismo é uma luta de classes – isto é difícil das pessoas entenderem. Para entender o machismo deve-se entender sua interconexão com o racismo. O machismo está diretamente relacionado com a dominação masculina e é perpetrado como tal pela classe dominante da América. Quando falamos da liberação feminina não estamos falando tanto sobre igualdade biológica. Há uma diferença biológica básica entre machos e fêmeas assim como há ainda mais semelhanças biológicas impressionantes entre os sexos. Embora macho e fêmea difiram no aspecto da genitália, todos os seres humanos têm uma similaridade biológica essencial – dois braços, duas pernas e o que mais você tenha. Mas não é disso que estamos falando quando falamos de igualdade para as mulheres. Todas as pessoas falam, pensam, sentem e as relações humanas têm que ser determinadas nesta base, não numa base sexual. O mesmo vale para as diferenças raciais. A tradição puritana também tem muita relação com o machismo. O tabu sobre o sexo era absurdo em primeiro lugar porque três bilhões de pessoas chegaram nesta terra por esta via. Olhando para trás na história, é fácil ver que as mulheres receberam a parte pior do preconceito europeu contra o sexo. Como que o racismo está conectado com isso? Uma boa parte do racismo é o absurdo medo psicológico da parte das pessoas que pensam que o homem negro tem um pênis maior que o homem branco. Logo, a supremacia masculina através dos órgãos sexuais pode ser conectada com a supremacia racial alcançada através da noção das diferenças sexuais por raça. Nacionalistas culturais, como Ron Karenga, são machistas também. O que fazem é oprimir as mulheres negras. Seu racismo negro os conduz igualmente para teorias da dominação masculina. Portanto, racistas negros chegam as mesmas conclusões que racistas brancos com respeito a suas mulheres. O partido diz não a isso. Pessoalmente, eu não penso que as mulheres que querem a liberação querem pênis – elas só querem ser tratadas como seres humanos em bases iguais, assim como negras que reivindicam liberação para seu povo. Eldridge Cleaver falou sobre isso em “Alma no Gelo”. O Super-homem nunca tenta se relacionar com Lois Lane, nem tenta se relacionar com os oprimidos. Ao contrário, ele se relaciona com a violência superficial, jogando pessoas no meio do oceano, etc. O conceito que estou tentando estabelecer é a relação cruzada entre o machismo e outras formas de chauvinismo – incluindo o racismo. Em outras palavras, a ideia de dizer “mantenha a mulher no seu lugar” está a uma pequena distância de dizer “mantenha o negro em seu lugar”. Como Eldridge disse no seu livro, a mulher branca é um símbolo de liberdade nesse país. O homem branco pegou esta garota, a enfiou num pedestal e a chamou de estátua da liberdade e deu a ela uma tocha para segurar. Bem eu diria coloque uma metralhadora em sua outra mão.

Recentemente Jerry Rubim apontou que embora o juiz no processo da conspiração tenha reclamado da linguagem dos réus, a verdadeira obscenidade no caso foi a disposição da corte para usar a violência na sala de audiências para prevenir os réus de afirmarem seus direitos constitucionais.

Isto é típico. Mostra a preocupação do sistema com palavras ao invés da questão mais básica de como as pessoas se relacionam. Por exemplo, com palavras da classe popular, filho da puta (motherfucker) não necessariamente significa um tabu sexual. Pode ser usado cinco vezes numa frase de um irmão do gueto negro e cada vez terá uma conotação e um significado diferente. Em qualquer caso, pesquisas indicam que a origem do termo vem do estupro das mães de escravos pelos senhores de escravos. Então, vemos o conceito de tabu sendo relacionado de perto com o de racismo. Ao mesmo tempo, o partido vê a necessidade de parar de usar o termo apenas para que possamos conseguir que uma parte da população branca possa entender as metas do partido. Quando falamos de obscenidade na sala de audiências, penso que a coisa mais obscena é a recusa da classe dominante de se relacionar com as vidas, liberdade e busca da liberdade daqueles que culturalmente se recusam a seguir suas normas. Nós dizemos que os seres humanos têm o direito de viver e sobreviver. A obscenidade na sala de audiências de Chicago é violação dos direitos humanos e constitucionais.

Boa parte da mídia de massas está jogando com o aspecto circense do julgamento em Chicago e está tratando Hoffman como um caso excepcional em um sistema judicial que do contrário é justo e honrável. O que você pensa sobre isso?

Pessoas como Hoffman são a regra especialmente com respeito a membros de minorias. Murtagh, o juiz no caso dos 21 Panteras de New York, é um racista notório. Só agora pessoas como Murtagh e Hoffman estão sendo expostos pelo que são: racistas e fascistas.

Você espera alguma mudança na estrutura ou direção do partido dos panteras negras no futuro?

Nosso objetivo é a educação do povo. Não penso que cometeremos o mesmo erro que o Partido Comunista cometeu nos anos 1950, como resultado das medidas repressivas do governo naquela época. Você tem que lutar a batalha pelos povos oprimidos – brancos, pretos, vermelhos, marrons – onde quer que estejam. A formação de um Comitê Nacional para Combater o Fascismo pelo partido representa uma mudança, uma boa mudança, na qual cria-se uma organização em que movimentos podem se juntar e se unir para lutar contra o opressor. Em qualquer caso, eu não penso que haja qualquer maneira do partido parar de fazer o que está fazendo e não penso que ele passará por qualquer mudança de política significante no futuro próximo.

The Guardian, Fevereiro de 1970.

[1]    NT: referência ao caso Dred Scott decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos, no qual a corte negou reconhecimento da cidadania estadunidense a afro-descendentes e a consequente proteção da constituição, ainda que fossem libertos segundo as leis de alguns dos estados.

[2]    NT: Minutemen são milicianos civis que se armaram e se organizaram de maneira independente para lutar a guerra de independência dos estados unidos. Receberam este nome “homens-minuto” porque eram uma força armada com muita mobilidade, capaz de responder rapidamente a agressões sofridas pelas colônias. Esse tipo de infantaria “pequena e muito profissional” foi a inspiração para a organização da guarda nacional em 1916.

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
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Connie Mathews – A luta é uma luta mundial

[Discurso realizado no ato de Moratória do Vietnã, Faculdade Estadual de San Jose, 15 de outubro de 1969]

PODER AO POVO. Eu ouvi a todos as falas que aconteceram antes da minha.  Eu li os jornais e as coisas que os grupos supostamente radicais têm proposto e vocês estão falando sobre as atrocidades no Vietnã, vocês estão falando sobre a repressão nos Estados Unidos. Eu fico me perguntando se vocês realmente compreendem o que está acontecendo. Eu tenho que me perguntar isso, porque em 1967, houve um Tribunal Mundial que aconteceu em Roskilde, Dinamarca, e ali o mundo condenou os Estados Unidos pelas atrocidades cometidas no Vietnã, e os declararam culpados de crimes de guerra, e os Estados Unidos disseram “- Pior para o mundo, porque nós dominamos o mundo”. Foi anunciado nas notícias que haveriam protestos amanhã contra a guerra e Nixon disse hoje de manhã que isso não faz diferença para a sua estratégia no Vietnã.

Agora, não estou tentando negar ou diminuir os esforços que vocês estão fazendo para manter esses protestos. O que eu estou tentando dizer para vocês é que chegou a hora em que temos que caminhar em outra direção. Temos que compreender que com protestos pacíficos, tentando negociar, não estamos chegando em lugar nenhum. Temos que compreender que a luta nesse momento é uma luta mundial, é uma luta proletária internacional; duas coisas – os oprimidos contra o opressor. Vocês têm que entender que temos que parar de falar em termos de países, temos que falar sobre internacionalismo, porque os Estados Unidos agora chegaram à lua, e eles irão a Marte, e depois a Vênus, para que não se trate só do planeta Terra. E vocês tem que dar uma volta ao mundo e visitar alguns dos países que eu visitei para ver o que o imperialismo americano fez. Eldrige Cleaver, nosso Ministro de Informação, em seu último artigo do exílio, que está no último número de nosso jornal (têm umas cópias logo ali) declarou que a opressão nos Estados Unidos e a maneira como as pessoas aqui vivem em guetos aqui é como se você tivesse colocado lençóis de seda no que o imperialismo americano fez em outros países no mundo.

Agora, quando quer que os vietnamitas lutem, e eles estão lutando e eles ganharam a guerra, eles estão lutando por vocês aqui. Vocês tem que compreender isso, e eu uso a declaração do Presidente Bobby Seale – “estamos na barriga da baleia, aqui” – mas vocês têm que fazer o seu próprio trabalho, porque vocês estão ajudando a escravizar aqueles milhões de pessoas na Ásia, África e América Latina, porque vocês estão disfarçadamente tolerando o que o governo está fazendo. Porque o poder deve pertencer ao povo. Vocês são responsáveis por esse governo estar no poder e simplesmente protestando e andando e gritando – nós não entendemos isso – vocês não vão fazer bem a ninguém.

Agora, vocês sabem que o Partido Pantera Negra começou e que dissemos que entendemos que essa coisa toda é uma luta de classes. Entendemos que existem pessoas negras que são porcos e entendemos que existem pessoas brancas que são porcos. O que estamos tentando dizer é que queremos uma Frente Unida de todos os grupos étnicos oprimidos, independentemente de cor, religião ou o que quiserem, porque a meta final é derrubar essa ordem. Sartre disse que a Europa, a mãe doente do capitalismo, deu à luz a um monstro, o imperialismo, e esses são os Estados Unidos da América. Vocês tem que compreender que o que o Partido Pantera Negra está fazendo por vocês e pelo resto do mundo. Está tudo bem quando um monte de pretos sai pelas ruas e diz que eles odeia todas as pessoas brancas. Nixon apoia isso, Nixon apoia o capitalismo negro, porque ele sabe que o que ele vai fazer é conseguir uns poucos negros supostamente de elite e criar mais uma divisão e é por isso que eu estou feliz de estar falando para um grupo de estudantes, e uma coisa que eu noto é que existem mais de 400 estudantes aqui na estadual de San Jose e que nenhum desses estudantes pensou que a guerra no Vietnã tivesse alguma coisa a ver com eles, ou então eles não estariam aqui nessa porcaria de salão. E eles deveriam compreender que aqueles vietnamitas estão lutando e morrendo por eles. Agora, para voltar ao meu ponto, Nixon acredita que fazendo lavagem cerebral em vocês, estudantes, como são vocês que amanhã vão continuar a fazer o que Nixon manipulou vocês para acreditar, ele acredita que assim tudo vai estar certo. Vocês teriam que se prender a isso, porque vocês são os que serão líderes da ordem estabelecida amanhã, e vocês serão os gerentes de banco, membros da administração e todo o resto da coisa e vocês têm que se prender ao fato de que vocês não podem deixar isso continuar. Vocês têm que se prender ao fato de que o Partido Pantera Negra quer é tomar a riqueza das mãos de uns poucos, e ela é controlada por mais ou menos umas 250 pessoas que controlam o mundo. Isso parece absurdo, mas existem mais ou menos 250 ou 300 grandes capitalistas nesse país. Eles são as pessoas que colocam quem eles querem no poder, eles são as pessoas que controlam e dominam o mundo e dizem o que deveria ser feito nesse país e, aliás, no mundo. Agora, o futuro está com vocês, as pessoas que estão aqui hoje.

Vocês podem ver o que está acontecendo em Chicago, e eu digo para vocês que os supostos radicais desse país têm sido uma decepção. Eu estava no tribunal lá e eles não levaram essa coisa a sério. Eles não compreendem que o julgamento de Chicago, o resultado, vai criar os precedentes nos Estados Unidos para decidir se o povo têm liberdade ou não. Eles parecem pensar que isso é tudo uma grande piada, com Abbie Hoffman fazendo acrobacias no tribunal e todo esse tipo de bobagem. Agora, eu estou dizendo que vocês tiveram o que se chama de um grupo de liberdades e vocês estão tentando encontrar a liberdade individual. Somos todos um povo, esse é um país só, e, na verdade, no mundo todo somos um mesmo povo, então até que todos saibam o que é a liberdade coletiva, vocês não vão conseguir viver nas suas sociedades hippies e yippies com liberdade individual. E eu estou dizendo que nos últimos seis meses, Nixon lançou uma repressão tão massiva contra o Partido Pantera Negra como nunca tinha acontecido antes. Quando falei em outros países, como na França, na Alemanha ou até na Inglaterra, as pessoas têm dificuldade de acreditar que os americanos, pessoas como vocês, podem sentar e assistir esse tipo de coisa acontecer e não fazer nada quanto a isso. O Presidente Bobby Seale, no início do seu julgamento em Chicago, estava doente, e não foi permitido que ele tivesse um médico, ele não tem advogado, ele não tem direitos, ele não pôde se defender, porque Charles Garry, o seu advogado, está acamado em um hospital aqui mesmo na Califórnia, e porque ele é um homem negro e isso não importa. Ele não deveria ter ninguém para defende-lo. Agora, eu estou dizendo para vocês aqui que eu não penso que vocês estão tentando o suficiente, eu não penso que vocês entendam totalmente o que está acontecendo. Eu acho que vocês precisam sair dos seus quadrados e da sua segurança agradável nessas universidades. Eu acho que vocês precisam sair e ir trabalhar naquelas comunidades, mas antes de vocês irem às comunidades e fazerem propaganda da ideologia errada, vocês tem que se armar com a ideologia correta, compreender do que se trata essa luta. São os oprimidos contra o opressor. Vocês, pessoas de classe média, porque eu não acredito que nenhum de vocês aqui sejam capitalistas já que só existem uns 300, vocês estão definitivamente em um vazio e vocês vão ter que assumir lados em um momento ou outro, e tenham certeza de que vocês vão escolher o lado certo, porque se não o fizerem, não vão ter para onde ir, porque o povoe deve vencer.

Os vietnamitas são um bom exemplo da vitória do povo. Porque com toda a tecnologia e grandeza da América, ela foi incapaz de derrotar os vietnamitas. Cada homem, mulher e criança resistiu. Vocês deveriam ver o que está acontecendo no Vietnã. Todos os homens tiveram que ir para o front, e vocês deveriam ver como aquelas mulheres e crianças guardaram as suas aldeias. Provavelmente, é muito difícil para vocês ver com clareza no meio de tudo isso, mas é por isso que vocês tem a maior responsabilidade. As pessoas que compreendem o que estão errado, porque essas pessoas tem que vir tanto de dentro quanto de fora.

Temos uma petição para o controle comunitário da polícia, e aqueles de vocês que não a conhecem, passem a conhece-la, porque essa é uma das maneiras pelas quais estamos tentando colocar o poder novamente nas mãos do povo. Aqui, nas suas universidades, vocês fazem esses protestos e continuam dizendo que vocês não querem isso e não querem aquilo, e que vocês querem isso e não querem aquilo, e então vocês se sentam e dizem que venceram. Vocês não ganharam nada, porque vocês tem que perceber que as pessoas que controlam as universidades são as mesmas que foram colocadas ali porque controlam as comunidades. Então, o trabalho de vocês é nas comunidades. As duas coisas andam juntas. Não tentem coloca-las em caixas diferentes. Eu acho que chegou o momento de todos vocês jovens aqui nos Estados Unidos olharem para vocês mesmos. Olhem para dentro, primeiro. Tentem compreender o que o Partido Pantera Negra está tentando fazer, tentem compreender quantas vidas perdemos, porque estamos tentando educar vocês. Somos a vanguarda por causa de 400 anos de suor, sangue e lágrimas. Mas não vamos começar a revolução, é só quando vocês estiverem completamente educados que isso vai ter que acontecer, e eu estou tentando dizer que se vocês se sentarem nesse conforto, vocês sabem o que vai acontecer? – Esses assim chamados Estados Unidos da América foram construídos às custas do genocídio de 50 milhões de índios e vocês romantizaram isso e chamaram de “cowboys e índios”. Pensem sobre essa merda. Seis milhões de judeus foram assassinados e as pessoas se sentaram e não acreditaram no que estava acontecendo. Vocês estão se sentando agora e compreendem o que está acontecendo aqui mesmo, e que o poder está nas suas mãos, porque vocês são o povo e, por isso, esse país pertence a vocês, então são vocês que vão ter que parar essa coisa toda e vocês vão ter que parar isso não apenas se concentrando em um aspecto, mas em todas as faces do que está acontecendo. O que estou tentando dizer é: se eduquem, para depois educarem o povo, o povo nas comunidades. Sempre que vocês saírem, falem sobre isso. Falem sobre tudo, as razões pelas quais eles nos dividiram em grupos étnicos, em raças, porque como Fanon disse, capitalismo e racismo, um é causa e o outro é efeito. Eles não trouxeram as pessoas negras da África como escravos porque somos negros. Eles trouxeram as pessoas negras para que o capitalismo pudesse prosperam. Quando o capitalismo atingiu sua forma superior – o imperialismo – eles tiveram que definir um método para manter as divisões.

Os Estados Unidos estão avançando tão rápido tecnologicamente que a maior parte de vocês via se tornar dispensável, vocês não terão empregos e, na verdade, nada. O dólar, no momento, só vale mais ou menos 75 centavos, e todos vocês aqui que vivem de cartão de crédito, fiquem de olho. Eles enganaram vocês. Se vocês observarem o mercado de ações e o Fundo Monetário Internacional, eles estão dizendo que o mercado alemão está flutuando. Não há mudança. Enquanto o marco alemão está flutuando, o dólar diminuiu e esperem só o que vai acontecer nos próximos seis meses, mais ou menos. São vocês que vão sentir isso mais. Não as pessoas pobres ou oprimidas, porque elas já não têm nada. Mas vocês aqui no meio, que pensam que têm alguma coisa, que tem umas contas e aquelas casas de $20.000, são vocês que vão descobrir a hipoteca, ou os juros, ou o que quer que vocês teriam que pagar, no dobro do que vocês achavam que era. Se liguem nisso tudo, façam algumas pesquisas, vocês são estudantes, vão adiante e eduquem o seu povo, porque o Partido Pantera Negra está aí fora no front, mas nós não podemos ficar no front para sempre. Vamos ficar até que todos nós estejamos mortos ou encarcerados por esses porcos racistas, mas então alguém vai ter que assumir. Então, não nos deixem morrer em vão.

PODER AO POVO.

The Black Panther, 25 de outubro de 1969

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
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David Hilliard – A Ideologia do Partido Pantera Negra

A ideologia do Partido Pantera Negra é a experiência histórica do povo negro na América traduzida através do marxismo-leninismo. Quando olhamos para a história do povo negro nesse país, percebemos que há 400 anos somos vítimas da maquinaria opressora que amordaça, prende e acorrenta os homens negros que falam em defesa de seus supostos direitos constitucionais.

Muitas pessoas agem como se elas estivessem surpresas com o que está acontecendo ao Presidente do Partido Pantera Negra, Bobby Seale, mas penso que uma análise cuidadosa de quem são os nossos perseguidores irá limpar as mentes das massas do povo que não conseguem ver para nuvem de fumaça da suposta justiça. Essas pessoas que torturaram e amordaçaram e acorrentaram Bobby são descendentes de piratas. Assassinos genocidas do homem vermelho; usuários da bomba atômica contra o povo japonês. O escravizadores e exploradores dos negros nesse país até os dias de hoje.

O Partido Pantera Negra, desde a sua criação, sempre usou a arma do exemplo para educar as massas. Quando o Ministro da Defesa, Huey P. Newton, enviou uma delegação de Panteras armados para o capitólio estadual da Califórnia, isso foi um processo de educação do povo pelo exemplo de que os negros não tinham garantido o seu direito constitucional de portar armas para a defesa das suas vidas contra as multidões racistas de fascistas com ou sem uniforme. Então, Huey P. Newton deu a declaração de que “um povo desarmado está ou escravizado ou sujeito à escravidão a qualquer momento”. Então, dada a situação de Bobby, está claro como água o que ele quis dizer.

Penso que devemos retornar à legalidade da constituição dos EUA no que diz respeito ao povo negro. A retórica da constituição nunca foi, no primeiro parágrafo, escrita para o povo de ascendência africana. Depois de violar os direitos de primeira emenda de Bobby, seus direitos da oitava emenda, e das emendas 6-13-14, me parece que a maldita coisa não vale em relação aos negros, em particular.

Enquanto estivermos apoiados apenas na teoria, sem nunca testar por nós mesmos a realidade das leis dos tribunais desse sistema, devemos esperar mais Bobby Seales, mais tratamento cruel e inumano. Devemos nos lembrar de que esse país é governado por uma oligarquia escravista e por criminosos organizados que não têm respeito pelo povo, seja ela negro ou branco; seu principal interesse é o capitalismo. Então, quando falamos sobre a ideologia do Partido Pantera Negra, estamos falando da experiência dos negros em uma América racista, fascista.

Ás vezes é difícil entender como as pessoas reagem ao termos fascista. Elas pensam que os fascistas acabaram quanto os hitleristas foram derrotados. Eu concordo com o que Eldrige diz, “que a bandeira americana e a águia americana são os verdadeiros símbolos do fascismo”. O historiador americana tem suas maneiras de justificar esse sistema usando a Alemanha como o inimigo mais cruel da humanidade, e isso talvez seja verdade para o povo de ascendência judaica. Mas quando realmente analisamos essa merda, começando com o genocídio dos índios, os 50.000.000 de pessoas negras chacinadas pelos opressores quando foram carregadas contra a sua vontade debaixo da mira de armas há 400 anos aqui na América, então nos lembramos da guerra genocida e imperialista contra o povo vietnamita, a queima de negros na sagrada cruz da cristandade, então se torna mais fácil compreender o que são os chefes do fascismo, do imperialismo, do racismo; e a exigência de Bobby Seale do seu próprio direito à autodefesa.

O quão criminosas e culpadas essas pessoas devem ser para chegar a último degrau na escada da injustiça, na violação grosseira dos direitos humanos do Presidente do Partido Pantera Negra; em um momento em que todos os povos oprimidos do mundo estão se levantando em armas contra elas. Então, para o povo americano, indicamos a sua primeira aula de educação política. A criminosa sala de justiça dos porcos, os tribunais em que os porcos julgam outros homens e mulheres; especialmente homens e mulheres negros, são os culpados.

As leis que eles tentam fazer com que respeitemos são leis opressoras, leis de escravo, leis que protegem a eles e nos perseguem. Penso que acima e além do velhos juiz maldoso, amordaçador e torto, Bobby deixou uma cicatriz nas mentes de todos aqueles que ouvem as ordens sem fazer perguntas.

E dizemos, Viva o Presidente Bobby, porque ele, sem emitir um som, expôs a farsa feia, fascista e racista do patriotismo americano, encarando o juiz J.J. Hoffman, o inimigo número 1 do povo.

Lembrem-se do velho filho da puta racista Hoffman, para dizer aos porcos do aeroporto Chicago O’Hare para levantaram de novo a placa que diz “o que vocês são? Falem mais alto, eu mal consigo ouvir o que dizem”.

 

Chefe de Pessoal,

David Hilliard.

 

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de The Black Panthers Speak. Haymarket Books, 2014.
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